- Esse homem é um mercador. Perguntou se alguém está interessado em pedras. Colares, pulseiras baratas. Falei que a mente de vocês está voltada para coisas mais elevadas.
Algumas pessoas perto de mim balançam a cabeça, incrédulos. Uma mulher de cabelos ruivos compridos parece afrontada.
- Ele não viu que a gente estava no meio de uma meditação? – pergunta.
- Ele não entende a dedicação espiritual de vocês. – Chandra olha sério o grupo ao redor. – Acontecerá o mesmo com muitos outros, mundo afora. Não entenderão que meditação é o alimento da alma. Vocês não têm necessidade de... pulseiras de safira!
Algumas pessoas confirma com a cabeça.
- Um pendente de água-marinha com corrente de platina – continua Chandra, não dando importância. – Como isso se compara à radiância da iluminação interior?
Água-marinha?
Uau. Quanto será que...
Quer dizer, não que eu esteja interessada. Obviamente não. Só que, por acaso, estive olhando águas-marinhas numa vitrine um dia desses. Só por interesse acadêmico.
Meus olhos vão até a figura do velho que se afasta.
- Três quilates, cinco quilates, ele ficava dizendo. Tudo pela metade do preço. – Chandra balança a cabeça – Eu disse: essas pessoas não estão interessadas.
Metade do preço? Águas-marinhas de cinco quilates pela metade do preço?
(...)
E de repente não consigo me conter. Antes de saber o que está acontecendo, corro descalça o mais rápido que posso, morro acima, em direção à figura minúscula. Meus pulmões queimam, os pés estão ardendo e o Sol bate na cabeça descoberta, mas só paro quando chego à crista do morro. Paro e olho em volta, ofegando.
Não acredito. Ele sumiu. Para onde foi?
Fico parada alguns instantes, recuperando o fôlego, espiando em todas as direções. Mas não o vejo em lugar nenhum.
Por fim, sentindo-me um tanto frustrada, viro-me e volto até o grupo, lá embaixo. Quando chego perto percebo que todos estão gritando e acenando para mim. Meu Deus, será que estou numa encrenca?
- Você conseguiu! – está gritando a ruiva. – Você conseguiu!
- O quê?
- Você correu por cima dos carvões! Você conseguiu, Becky.
O quê?
Olho para os meus pés... e não acredito. Estão cobertos de cinza! Atordoada, olho o poço de carvões – e ali está, uma tira de pegadas atravessando-o.
Ah, meu Deus. Ah, meu Deus! Eu passei correndo sobre os carvões! Passei sobre os carvões pegando foto, em brasa! Consegui!
(...)
- Na verdade não foi nada – digo com um sorriso modesto. – Só... vocês sabem. Iluminação espiritual.
- Pode descrever a imagem? – pergunta empolgada a ruiva.
- Era branca? – pergunta outra pessoa.
- Não era realmente branca... – digo.
- Era uma espécie de azul-esverdeado brilhante? – É a voz de Luke, vinda de trás. Levanto a cabeça rapidamente. Ele está me olhando de volta, na maior cara-de-pau.
- Não lembro – respondo num tom digno. – A cor não era importante.
- A sensação era... – Luke parece pensar com intensidade. – Como se os elos de uma corrente estivessem puxando você?
- É uma imagem muito boa, Luke – entoa Chandra, satisfeito.
- Não – digo rapidamente. – Não era. Na verdade acho que talvez você precise ter uma apreciação mais elevada das questões espirituais para entender.
- Sei – Luke assente com seriedade.
- Luke, você deve ter muito orgulho. – Chandra sorri para Luke. – Não é a coisa mais extraordinária que já viu sua esposa fazer?
Há um instante de silêncio. Luke olha de mim para os carvões em brasa, depois para o grupo silencioso e em seguida de novo para o rosto luminoso de Chandra.
- Chandra – diz ele. – Pode acreditar em mim. Isso aí não é nada.
***
- Não sei como você consegue viver com ela – está dizendo Jess, e sinto um choque de indignação. Depois me enrijeço, esperando a resposta de Luke.
Há um silêncio no cômodo. Não consigo respirar. Não consigo me mexer. Percebo meu ouvido encostado na madeira da porta.
- É difícil – diz a voz de Luke por fim.
Algo frio mergulha no meu coração.
Luke acha difícil viver comigo.
***
- Então me deixe ajudar! – respondo ansiosa. Acompanho-o até a cozinha onde ele está colocando água num copo. – Deve haver algo que eu possa fazer. Eu poderia ser sua secretária... ou fazer pesquisa...
- Por favor! – interrompe Luke, e engole o Ibuprofen. – Chega de ajuda. Tudo o que a sua “ajuda” faz é desperdiçar a porra do meu tempo. Certo?
(...)
- Você recebeu um pacote – digo.
Luke sai do escritório segurando uma pilha de pastas de papel e as joga na pasta executiva. Em seguida pega o pacote comigo, abre e tira um disco de computador, junto com uma carta.
- Ah! – exclama ele, parecendo mais satisfeito do que durante toda a semana. – Excelente.
- De quem é?
- Da sua irmã – diz Luke.
Sinto como se ele tivesse me dado um soco no peito.
Minha irmã? Jess? Meu olhar vai até o pacote, incrédulo. Aquela é a letra de Jess?
- Por que... – Estou tentando manter a voz calma. – Por que Jess está escrevendo para você?
- Ela mexeu naquele CD-ROM para nós. – Luke examina a página até o final. – Ela é realmente demais. Melhor do que os nossos caras da informática. Preciso mandar umas flores.
Sua voz está toda calorosa e agradecida, e seus olhos brilham. Enquanto olho, de repente sinto um enorme nó na minha garganta.
Ele acha a Jess fabulosa, não é? Jess é fabulosa... e eu sou uma merda.
- Então Jess foi de grande ajuda para você, não é? – pergunto com a voz trêmula.
- É. Para ser honesto, foi.
- Acho que você preferiria que ela estivesse aqui, e não eu. Acho que você preferiria que a gente trocasse de lugar.
- Não seja ridícula. – Luke dobra a carta e coloca de volta no envelope.
- Se acha Jess tão fantástica, por que não vai morar com ela? – ouço minha voz saindo num jorro de angústia. – Por que vocês não vão... conversar sobre computador?
- Becky, acalme-se – diz Luke, espantado.
Mas não consigo me acalmar. Não consigo parar.
- Tudo bem! Pode ser honesto comigo, Luke! Se prefere uma unha de fome miserável, com gosto zero para se vestir e senso de humor zero... é só dizer! Talvez você devesse se casar com ela, se ela é tão fantástica! Ela é tão divertida! Tenho certeza de que iria ficar numa ótima com ela...
- Becky! – Luke me interrompe com um olhar que me enregela até a medula. – Pare agora mesmo.
Ele fica quieto alguns instantes, dobrando o envelope. Não ouso mover um músculo.
- Sei que você não se deu bem com Jess – diz finalmente, levantando os olhos. – Mas saiba o seguinte: Sua irmã é uma boa pessoa. É honesta, confiável e trabalhadora. Gastou horas nisso para nós. – Ele bate no disco. – E se ofereceu para fazer, não pediu pagamento nem agradecimento. Eu diria que ela é uma pessoa realmente altruísta. – Ele dá alguns passos para mim, com o rosto implacável. – Você poderia aprender muito com a sua irmã.
(...)
- Estou indo. – Luke reaparece à porta da cozinha segurando sua mala. – Não sei quando volto.
- Luke... desculpe. – Finalmente encontrei a voz, mesmo que esteja toda trêmula. – Desculpe se fui um desapontamento tão grande para você. – Levanto a cabeça tentando manter o controle. – Mas se realmente quer saber... você também foi um desapontamento para mim. Você mudou. Você era divertido na lua-de-mel. Era divertido, tranqüilo e relaxado...
(...)
- Você está diferente. – As palavras saem num soluço e eu sinto uma lágrima escorrendo pelo rosto. – Voltou a ser como era. Como prometeu que nunca mais seria. – Enxugo a lágrima com força. – Não era assim que eu imaginava a vida de casada, Luke.
Há silêncio na cozinha.
- Nem eu. – Há algo maroto e familiar em sua voz, mas ele não está sorrindo. – Tenho de ir. Tchau, Becky.
Ele se vira, e alguns instantes depois ouço a porta da frente batendo.
***
- Você não entende – digo rapidamente, antes que ela possa bater a porta de novo. – Tudo deu errado. Luke e eu brigamos. Eu... eu fiz uma coisa estúpida.
- Ora, que surpresa! – Jess cruza os braços.
- Sei que fui eu mesma que provoquei. – Minha voz começa a tremer. – Sei que a culpa é minha. Mas acho que nosso casamento está com problemas de verdade. Acho mesmo.
Enquanto digo as palavras, posso sentir as lágrimas ameaçando de novo. Pisco com força, tentando contê-las.
- Jess... por favor, me ajude. Você é a única pessoa em quem posso pensar. Se eu pudesse aprender com você, talvez Luke voltasse atrás. Ele gosta de você. – Sinto um aperto na garganta, mas me obrigo a encará-la. – Ele gosta mais de você do que de mim.
***
URGENTE-EMERGÊNCIA
Luke,
Becky não está no apartamento. Ninguém a viu em lugar nenhum. Ainda não consegui fazer contato com ela pelo telefone.
Estou ficando realmente preocupada.
Suze
***
- Você pregou um susto enorme na gente, Becky. Luke? – diz ele ao celular. – Nós a encontramos.
Meu coração pára.
Luke?
- Como foi... – De repente meus lábios estão tremendo tanto que mal consigo formar palavras. – Como é que Luke...
- Ele ficou preso em Chipre por causa do mau tempo – diz Suze. – Mas está do outro lado da linha o tempo todo. Meu Deus, ele está fora de si.
- Aí, Becky – diz Tarquin estendendo o telefone.
Quase não consigo segurá-lo. Estou latejando inteira, de nervosismo.
Suze me olha em silêncio por um momento, com a chuva batendo no cabelo e escorrendo pelo rosto.
- Bex, acreditem em mim. Ele não está com raiva de você.
Levo o telefone ao ouvido, encolhendo-me ligeiramente quando ele encosta no rosto machucado.
- Luke?
- Ah, meu Deus! Becky! Graças a Deus!
Ele está todo distante, com a voz estalando, e mal consigo entender. Mas assim que ouço sua voz familiar é como se tudo que aconteceu nos últimos dias tivesse chegado ao fim. Algo está crescendo por dentro. Meus olhos estão quentes e a respiração ficou engasgada.
Eu o quero. Quero-o e quero ir para casa.
- Graças a Deus você está salva. – Luke parece mais abalado do que jamais vi. – Fiquei fora de mim...
- Eu sei – engulo em seco. – Desculpe. – Lágrimas escorrem pelas minhas bochechas. Mal consigo falar. – Luke, realmente, desculpe por tudo...
- Não peça desculpas. Eu peço desculpas. Meu Deus. Eu pensei... – Ele pára e posso ouvi-lo respirando com força. – Nunca mais desapareça de novo, certo?
- Não vou. – Enxugo os olhos furiosamente com a mão.
- Luke? – digo ao aparelho. – Oi! Adivinha só. Quebrei a perna! – Olho cheia de admiração para o gesso, que está preso num suporte. Sempre quis botar gesso.
- Ouvi dizer. Minha querida coitadinha. Estão cuidando bem de você? Tem tudo que precisa?
- É... acho que sim. Sabe... – Sem aviso dou um bocejo enorme. – Na verdade estou bem cansada. Acho que vou dormir.
- Queria estar aí. – A voz de Luke está baixa e gentil. – Becky, só diga uma coisa. Por que você foi correndo para o norte sem contar a ninguém?
O quê? Ele não percebe?
- Porque eu precisava de ajuda, claro – digo com um jorro familiar de dor. – Nosso casamento estava em frangalhos. Jess era a única pessoa que eu poderia procurar.
Há silêncio no telefone.
- Nosso casamento estava o quê? – pergunta Luke finalmente.
- Em frangalhos! – Minha voz fica bamba. – Você sabe que estava! Foi medonho! Você nem me deu um beijo de despedida!
- Querida, eu estava furioso. Nós tivemos uma briga! Isso não significa que nosso casamento esteja em frangalhos.
- Ah. – Engulo em seco. – Bem, eu achei que estivesse. Achei que tudo havia acabado. Achei que você nem ia se importar em saber onde eu estava.
- Ah, Becky. – A voz de Luke ficou toda estranha, como se ele estivesse tentando não rir. Ou talvez não chorar. – Tem alguma idéia de tudo que eu passei?
- Não. – Mordo o lábio, quente de vergonha. – Luke, desculpe. Eu... não achei... não percebi...
- Tudo bem. – Ele me interrompe. – Você está em segurança. É só isso que importa agora. Você está em segurança.
***
- Sei disso. Acho. Mas... eu pensei que estava fazendo diferença. Realmente pensei que tinha realizado alguma coisa. – Dou um suspiro frustrado. – E tudo por nada!
- Por nada? – pergunta Luke, incrédulo. – Becky, dê só uma olhada no que você fez. – Ele sinaliza para a multidão. – Olha todo esse pessoal. Ouvi dizer como você transformou a campanha. Para não mencionar o povoado... e essa festa que você está dando... Você deveria ter orgulho! Furacão Becky, é como está sendo chamada.
- Imagina. Eu deixo uma trilha de devastação em toda parte.
Luke me olha, subitamente sério, com os olhos calorosos e escuros.
- Você explode as pessoas. Todo mundo que você conhece. – Ele segura minha mão e a olha por um momento. – Não seja como Jess. Seja como você.
- Mas você disse... – começo. E paro.
- O quê?
Ah, meu Deus. Eu ia ser toda adulta e digna e não mencionar isso. Mas eu não consigo evitar.
- Escutei você conversando com Jess – murmuro. – Quando ela se hospedou com a gente. Escutei você dizer... que era difícil viver comigo.
- E é difícil viver com você – responde Luke em tom casual.
Encaro-o com a garganta meio apertada.
- E também é enriquecedor. Empolgante. Divertido. É a única coisa que eu quero. Se fosse fácil seria chato. – Ele toca meu rosto. – A vida com você é uma aventura, Becky.
***
- Danny ligou? – pergunto num espanto jubiloso, e erro o último degrau da escada. Quando pouso no capim, tudo fica meio rodando.
- Aaah! – Agarro-me a Luke. – Fiquei tonta.
- Você está bem? – pergunta Luke, alarmado. – É a concussão? Você não devia estar subindo escadas.
- Está tudo bem – digo meio sem fôlego. – Vou me sentar.
- Meu Deus, eu sempre ficava assim! – diz Suze, passando. – Quando estava grávida.
Tudo parece se esvaziar da minha mente.
Lanço um olhar para Luke. Ele parece igualmente abalado.
Não. Quero dizer... eu não poderia...
Não pode ser...
E de repente meu cérebro está fazendo somas frenéticas. Nem pensei em... Mas a última vez que... deve ter sido... faz pelo menos...
Ah, meu Deus.
Ah... meu Deus.
- Becky? – pergunta Luke em voz estranha.
- Ah... Luke...
Engulo em seco, tentando ficar fria.
Certo. Não entre em pânico. Não entre em pânico...
************
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