domingo, 13 de setembro de 2009

- Esse homem é um mercador. Perguntou se alguém está interessado em pedras. Colares, pulseiras baratas. Falei que a mente de vocês está voltada para coisas mais elevadas.

Algumas pessoas perto de mim balançam a cabeça, incrédulos. Uma mulher de cabelos ruivos compridos parece afrontada.

- Ele não viu que a gente estava no meio de uma meditação? – pergunta.

- Ele não entende a dedicação espiritual de vocês. – Chandra olha sério o grupo ao redor. – Acontecerá o mesmo com muitos outros, mundo afora. Não entenderão que meditação é o alimento da alma. Vocês não têm necessidade de... pulseiras de safira!

Algumas pessoas confirma com a cabeça.

- Um pendente de água-marinha com corrente de platina – continua Chandra, não dando importância. – Como isso se compara à radiância da iluminação interior?

Água-marinha?

Uau. Quanto será que...

Quer dizer, não que eu esteja interessada. Obviamente não. Só que, por acaso, estive olhando águas-marinhas numa vitrine um dia desses. Só por interesse acadêmico.

Meus olhos vão até a figura do velho que se afasta.

- Três quilates, cinco quilates, ele ficava dizendo. Tudo pela metade do preço. – Chandra balança a cabeça – Eu disse: essas pessoas não estão interessadas.

Metade do preço? Águas-marinhas de cinco quilates pela metade do preço?

(...)

E de repente não consigo me conter. Antes de saber o que está acontecendo, corro descalça o mais rápido que posso, morro acima, em direção à figura minúscula. Meus pulmões queimam, os pés estão ardendo e o Sol bate na cabeça descoberta, mas só paro quando chego à crista do morro. Paro e olho em volta, ofegando.

Não acredito. Ele sumiu. Para onde foi?

Fico parada alguns instantes, recuperando o fôlego, espiando em todas as direções. Mas não o vejo em lugar nenhum.

Por fim, sentindo-me um tanto frustrada, viro-me e volto até o grupo, lá embaixo. Quando chego perto percebo que todos estão gritando e acenando para mim. Meu Deus, será que estou numa encrenca?

- Você conseguiu! – está gritando a ruiva. – Você conseguiu!

- O quê?

- Você correu por cima dos carvões! Você conseguiu, Becky.

O quê?

Olho para os meus pés... e não acredito. Estão cobertos de cinza! Atordoada, olho o poço de carvões – e ali está, uma tira de pegadas atravessando-o.

Ah, meu Deus. Ah, meu Deus! Eu passei correndo sobre os carvões! Passei sobre os carvões pegando foto, em brasa! Consegui!

(...)

- Na verdade não foi nada – digo com um sorriso modesto. – Só... vocês sabem. Iluminação espiritual.

- Pode descrever a imagem? – pergunta empolgada a ruiva.

- Era branca? – pergunta outra pessoa.

- Não era realmente branca... – digo.

- Era uma espécie de azul-esverdeado brilhante? – É a voz de Luke, vinda de trás. Levanto a cabeça rapidamente. Ele está me olhando de volta, na maior cara-de-pau.

- Não lembro – respondo num tom digno. – A cor não era importante.

- A sensação era... – Luke parece pensar com intensidade. – Como se os elos de uma corrente estivessem puxando você?

- É uma imagem muito boa, Luke – entoa Chandra, satisfeito.

- Não – digo rapidamente. – Não era. Na verdade acho que talvez você precise ter uma apreciação mais elevada das questões espirituais para entender.

- Sei – Luke assente com seriedade.

- Luke, você deve ter muito orgulho. – Chandra sorri para Luke. – Não é a coisa mais extraordinária que já viu sua esposa fazer?

Há um instante de silêncio. Luke olha de mim para os carvões em brasa, depois para o grupo silencioso e em seguida de novo para o rosto luminoso de Chandra.

- Chandra – diz ele. – Pode acreditar em mim. Isso aí não é nada.


***


- Não sei como você consegue viver com ela – está dizendo Jess, e sinto um choque de indignação. Depois me enrijeço, esperando a resposta de Luke.

Há um silêncio no cômodo. Não consigo respirar. Não consigo me mexer. Percebo meu ouvido encostado na madeira da porta.

- É difícil – diz a voz de Luke por fim.

Algo frio mergulha no meu coração.

Luke acha difícil viver comigo.


***


- Então me deixe ajudar! – respondo ansiosa. Acompanho-o até a cozinha onde ele está colocando água num copo. – Deve haver algo que eu possa fazer. Eu poderia ser sua secretária... ou fazer pesquisa...

- Por favor! – interrompe Luke, e engole o Ibuprofen. – Chega de ajuda. Tudo o que a sua “ajuda” faz é desperdiçar a porra do meu tempo. Certo?

(...)

- Você recebeu um pacote – digo.

Luke sai do escritório segurando uma pilha de pastas de papel e as joga na pasta executiva. Em seguida pega o pacote comigo, abre e tira um disco de computador, junto com uma carta.

- Ah! – exclama ele, parecendo mais satisfeito do que durante toda a semana. – Excelente.

- De quem é?

- Da sua irmã – diz Luke.

Sinto como se ele tivesse me dado um soco no peito.

Minha irmã? Jess? Meu olhar vai até o pacote, incrédulo. Aquela é a letra de Jess?

- Por que... – Estou tentando manter a voz calma. – Por que Jess está escrevendo para você?

- Ela mexeu naquele CD-ROM para nós. – Luke examina a página até o final. – Ela é realmente demais. Melhor do que os nossos caras da informática. Preciso mandar umas flores.

Sua voz está toda calorosa e agradecida, e seus olhos brilham. Enquanto olho, de repente sinto um enorme nó na minha garganta.

Ele acha a Jess fabulosa, não é? Jess é fabulosa... e eu sou uma merda.

- Então Jess foi de grande ajuda para você, não é? – pergunto com a voz trêmula.

- É. Para ser honesto, foi.

- Acho que você preferiria que ela estivesse aqui, e não eu. Acho que você preferiria que a gente trocasse de lugar.

- Não seja ridícula. – Luke dobra a carta e coloca de volta no envelope.

- Se acha Jess tão fantástica, por que não vai morar com ela? – ouço minha voz saindo num jorro de angústia. – Por que vocês não vão... conversar sobre computador?

- Becky, acalme-se – diz Luke, espantado.

Mas não consigo me acalmar. Não consigo parar.

- Tudo bem! Pode ser honesto comigo, Luke! Se prefere uma unha de fome miserável, com gosto zero para se vestir e senso de humor zero... é só dizer! Talvez você devesse se casar com ela, se ela é tão fantástica! Ela é tão divertida! Tenho certeza de que iria ficar numa ótima com ela...

- Becky! – Luke me interrompe com um olhar que me enregela até a medula. – Pare agora mesmo.

Ele fica quieto alguns instantes, dobrando o envelope. Não ouso mover um músculo.

- Sei que você não se deu bem com Jess – diz finalmente, levantando os olhos. – Mas saiba o seguinte: Sua irmã é uma boa pessoa. É honesta, confiável e trabalhadora. Gastou horas nisso para nós. – Ele bate no disco. – E se ofereceu para fazer, não pediu pagamento nem agradecimento. Eu diria que ela é uma pessoa realmente altruísta. – Ele dá alguns passos para mim, com o rosto implacável. – Você poderia aprender muito com a sua irmã.

(...)

- Estou indo. – Luke reaparece à porta da cozinha segurando sua mala. – Não sei quando volto.

- Luke... desculpe. – Finalmente encontrei a voz, mesmo que esteja toda trêmula. – Desculpe se fui um desapontamento tão grande para você. – Levanto a cabeça tentando manter o controle. – Mas se realmente quer saber... você também foi um desapontamento para mim. Você mudou. Você era divertido na lua-de-mel. Era divertido, tranqüilo e relaxado...

(...)

- Você está diferente. – As palavras saem num soluço e eu sinto uma lágrima escorrendo pelo rosto. – Voltou a ser como era. Como prometeu que nunca mais seria. – Enxugo a lágrima com força. – Não era assim que eu imaginava a vida de casada, Luke.

Há silêncio na cozinha.

- Nem eu. – Há algo maroto e familiar em sua voz, mas ele não está sorrindo. – Tenho de ir. Tchau, Becky.

Ele se vira, e alguns instantes depois ouço a porta da frente batendo.


***


- Você não entende – digo rapidamente, antes que ela possa bater a porta de novo. – Tudo deu errado. Luke e eu brigamos. Eu... eu fiz uma coisa estúpida.

- Ora, que surpresa! – Jess cruza os braços.

- Sei que fui eu mesma que provoquei. – Minha voz começa a tremer. – Sei que a culpa é minha. Mas acho que nosso casamento está com problemas de verdade. Acho mesmo.

Enquanto digo as palavras, posso sentir as lágrimas ameaçando de novo. Pisco com força, tentando contê-las.

- Jess... por favor, me ajude. Você é a única pessoa em quem posso pensar. Se eu pudesse aprender com você, talvez Luke voltasse atrás. Ele gosta de você. – Sinto um aperto na garganta, mas me obrigo a encará-la. – Ele gosta mais de você do que de mim.


***


URGENTE-EMERGÊNCIA


Luke,


Becky não está no apartamento. Ninguém a viu em lugar nenhum. Ainda não consegui fazer contato com ela pelo telefone.


Estou ficando realmente preocupada.


Suze


***


- Você pregou um susto enorme na gente, Becky. Luke? – diz ele ao celular. – Nós a encontramos.

Meu coração pára.

Luke?

- Como foi... – De repente meus lábios estão tremendo tanto que mal consigo formar palavras. – Como é que Luke...

- Ele ficou preso em Chipre por causa do mau tempo – diz Suze. – Mas está do outro lado da linha o tempo todo. Meu Deus, ele está fora de si.

- Aí, Becky – diz Tarquin estendendo o telefone.

Quase não consigo segurá-lo. Estou latejando inteira, de nervosismo.

Suze me olha em silêncio por um momento, com a chuva batendo no cabelo e escorrendo pelo rosto.

- Bex, acreditem em mim. Ele não está com raiva de você.

Levo o telefone ao ouvido, encolhendo-me ligeiramente quando ele encosta no rosto machucado.

- Luke?

- Ah, meu Deus! Becky! Graças a Deus!

Ele está todo distante, com a voz estalando, e mal consigo entender. Mas assim que ouço sua voz familiar é como se tudo que aconteceu nos últimos dias tivesse chegado ao fim. Algo está crescendo por dentro. Meus olhos estão quentes e a respiração ficou engasgada.

Eu o quero. Quero-o e quero ir para casa.

- Graças a Deus você está salva. – Luke parece mais abalado do que jamais vi. – Fiquei fora de mim...

- Eu sei – engulo em seco. – Desculpe. – Lágrimas escorrem pelas minhas bochechas. Mal consigo falar. – Luke, realmente, desculpe por tudo...

- Não peça desculpas. Eu peço desculpas. Meu Deus. Eu pensei... – Ele pára e posso ouvi-lo respirando com força. – Nunca mais desapareça de novo, certo?

- Não vou. – Enxugo os olhos furiosamente com a mão.




- Luke? – digo ao aparelho. – Oi! Adivinha só. Quebrei a perna! – Olho cheia de admiração para o gesso, que está preso num suporte. Sempre quis botar gesso.

- Ouvi dizer. Minha querida coitadinha. Estão cuidando bem de você? Tem tudo que precisa?

- É... acho que sim. Sabe... – Sem aviso dou um bocejo enorme. – Na verdade estou bem cansada. Acho que vou dormir.

- Queria estar aí. – A voz de Luke está baixa e gentil. – Becky, só diga uma coisa. Por que você foi correndo para o norte sem contar a ninguém?

O quê? Ele não percebe?

- Porque eu precisava de ajuda, claro – digo com um jorro familiar de dor. – Nosso casamento estava em frangalhos. Jess era a única pessoa que eu poderia procurar.

Há silêncio no telefone.

- Nosso casamento estava o quê? – pergunta Luke finalmente.

- Em frangalhos! – Minha voz fica bamba. – Você sabe que estava! Foi medonho! Você nem me deu um beijo de despedida!

- Querida, eu estava furioso. Nós tivemos uma briga! Isso não significa que nosso casamento esteja em frangalhos.

- Ah. – Engulo em seco. – Bem, eu achei que estivesse. Achei que tudo havia acabado. Achei que você nem ia se importar em saber onde eu estava.

- Ah, Becky. – A voz de Luke ficou toda estranha, como se ele estivesse tentando não rir. Ou talvez não chorar. – Tem alguma idéia de tudo que eu passei?

- Não. – Mordo o lábio, quente de vergonha. – Luke, desculpe. Eu... não achei... não percebi...

- Tudo bem. – Ele me interrompe. – Você está em segurança. É só isso que importa agora. Você está em segurança.


***


- Sei disso. Acho. Mas... eu pensei que estava fazendo diferença. Realmente pensei que tinha realizado alguma coisa. – Dou um suspiro frustrado. – E tudo por nada!

- Por nada? – pergunta Luke, incrédulo. – Becky, dê só uma olhada no que você fez. – Ele sinaliza para a multidão. – Olha todo esse pessoal. Ouvi dizer como você transformou a campanha. Para não mencionar o povoado... e essa festa que você está dando... Você deveria ter orgulho! Furacão Becky, é como está sendo chamada.

- Imagina. Eu deixo uma trilha de devastação em toda parte.

Luke me olha, subitamente sério, com os olhos calorosos e escuros.

- Você explode as pessoas. Todo mundo que você conhece. – Ele segura minha mão e a olha por um momento. – Não seja como Jess. Seja como você.

- Mas você disse... – começo. E paro.

- O quê?

Ah, meu Deus. Eu ia ser toda adulta e digna e não mencionar isso. Mas eu não consigo evitar.

- Escutei você conversando com Jess – murmuro. – Quando ela se hospedou com a gente. Escutei você dizer... que era difícil viver comigo.

- E é difícil viver com você – responde Luke em tom casual.

Encaro-o com a garganta meio apertada.

- E também é enriquecedor. Empolgante. Divertido. É a única coisa que eu quero. Se fosse fácil seria chato. – Ele toca meu rosto. – A vida com você é uma aventura, Becky.


***


- Danny ligou? – pergunto num espanto jubiloso, e erro o último degrau da escada. Quando pouso no capim, tudo fica meio rodando.

- Aaah! – Agarro-me a Luke. – Fiquei tonta.

- Você está bem? – pergunta Luke, alarmado. – É a concussão? Você não devia estar subindo escadas.

- Está tudo bem – digo meio sem fôlego. – Vou me sentar.

- Meu Deus, eu sempre ficava assim! – diz Suze, passando. – Quando estava grávida.

Tudo parece se esvaziar da minha mente.

Lanço um olhar para Luke. Ele parece igualmente abalado.

Não. Quero dizer... eu não poderia...

Não pode ser...

E de repente meu cérebro está fazendo somas frenéticas. Nem pensei em... Mas a última vez que... deve ter sido... faz pelo menos...

Ah, meu Deus.

Ah... meu Deus.

- Becky? – pergunta Luke em voz estranha.

- Ah... Luke...

Engulo em seco, tentando ficar fria.

Certo. Não entre em pânico. Não entre em pânico...


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