domingo, 13 de setembro de 2009

Luke Brandon e Becky Bloom - Retrospectiva

- Rebecca. Que bom que você veio.
Olhei para ele e quase engasguei com o champanhe. É Luke Brandon, o todo-poderoso da Brandon Communications, olhando direto para mim como se soubesse exatamente o que estou pensando.
Só o encontrei poucas vezes e sempre me sinto pouco à vontade perto dele. Para começar, tem uma reputação de dar medo. Todos sempre falam de seu talento, até meu chefe Philip. Criou a Brandon Communications do nada, e agora é a maior empresa de RP financeiras de Londres. Alguns meses atrás foi citado em alguns jornais como um dos mais inteligentes empresários de sua geração. Diziam que seu QI é um fenômeno de tão alto e que tem memória fotográfica. (Sempre detestei as pessoas com memória fotográfica.)


Enquanto Alicia continua falando, me inclino em direção a Elly.
- Então ouça – murmuro. – Posso pegar seu cartão de crédito emprestado?
- Já estourei – sussurra Elly numa expressão de desculpa. – Já alcancei meu limite. Por que você acha que estou vivendo de vales?
- Mas preciso de dinheiro! – murmuro. – Estou desesperada! Preciso de vinte paus!
Falo mais alto do que o pretendido e Alicia pára de falar.
- Talvez devesse ter investido na Foreland, Rebecca – diz Alicia, e uma nova risadinha toma conta da sala. Alguns rostos voltam-se para mim e devolvo um olhar pálido. São colegas jornalistas, pelo amor de Deus. Deveriam estar do meu lado. Onde está a solidariedade entre colegas?
Não que eu tenha me filiado ao sindicato dos jornalistas. Mas mesmo assim.
- Para que você precisa de vinte libras? – diz Luke Brandon, na frente da sala.
- Eu... minha tia – digo, desafiando. – Ela está no hospital e eu queria presenteá-la.
A sala está em silêncio. Depois, para minha incredulidade, Luke Brandon leva a mão ao bolso, tira uma nota de vinte libras e entrega a um rapaz na fileira da frente de jornalistas. Ele hesita e passa para a fileira atrás dele. E assim, continuando, a nota de vinte libras é passada de mão em mão, fazendo seu caminho até mim como um fã num show de rock sendo carregado pela multidão. Quando chega em mim, uma rodada de aplausos toma conta da sala e eu enrubesço.
- Obrigada – respondo, embaraçada. – Vou pagar-lhe de volta, claro.
- Minhas recomendações para sua tia – diz Luke Brandon.


Ando vagarosamente para fora da loja, ainda com uma sensação inebriante de prazer. Tenho uma echarpe Denny and George. Tenho uma echarpe Denny and George! Tenho...
- Rebecca. – Uma voz masculina interrompe meus pensamentos. Olho e meu estômago treme de horror. É Luke Brandon.
Luke Brandon está em pé na rua, bem na minha frente, e está olhando para minha sacola. Vou ficando cada vez mais nervosa. O que ele está fazendo aqui na calçada afinal? Pessoas como ele não têm motoristas? Não deveria estar se dirigindo rapidamente a alguma recepção importante ou algo assim?
- Comprou direitinho? – diz ele, franzindo um pouco as sobrancelhas.
- O quê?
- O presente de sua tia.
- Ah, sim – respondo engolindo. – Sim, eu... eu o comprei.
- É isso? – ele aponta para a sacola, e sinto meu rosto queimar.
- Sim – digo afinal. – Achei que uma... echarpe seria bom.
- Muito generoso de sua parte. Denny and George. – Ele levanta as sobrancelhas. – Sua tia deve ser uma senhora elegante.
- Ela é – respondo e limpo a garganta. – É incrivelmente criativa e original.
- Estou certo disso – diz Luke e pára. – Qual é o nome dela?
Ah, Deus. Eu devia ter fugido logo que o vi, enquanto tinha chance. Agora estou paralisada. Não consigo pensar em um nome feminino sequer.
- Erm... Ermintrude – ouço minha voz respondendo.
- Tia Ermintrude – diz Luke pensativo. – Bem, dê-lhe minhas lembranças.
Faz um aceno com a cabeça, afasta-se, e fico observando, pensando se ele descobriu ou não.

***

Por favor, Deus, só uma vez, faça com que haja alguém que eu conheça. Não precisa ser alguém de quem eu goste, ou mesmo que eu conheça tão bem assim, só alguém a quem eu possa me juntar, papear um pouquinho e depois exclamar “Precisamos almoçar!” Qualquer pessoa serve. Qualquer um mesmo...
Nesse momento, com uma emoção inacreditável, vejo um rosto familiar a algumas mesas de distância! É Luke Brandon, sentado numa mesa com um senhor e uma senhora mais velhos, muito bem-vestidos.
(...)
- Pai, estou certo de que Rebecca não quer falar de trabalho – diz Luke, franzindo um pouco a testa.
- Com certeza! – diz a Sra. Brandon, sorrindo para mim. – É uma linda echarpe, Rebecca. É Denny and George?
- Sim! – digo alegre, aliviada por escapar da declaração do ministro. (Que declaração?) – Fiquei tão contente, comprei-a na semana passada numa liquidação!
De soslaio, consigo ver que Luke Brandon está me olhando com uma expressão estranha. Por quê? Por que me olha tão...
Ai, merda. Como posso ser tão burra?
- Na liquidação... para minha tia – continuo, tentando pensar o mais rápido possível – comprei para minha tia de presente. Mas ela... morreu.
Fez-se um silêncio constrangedor e desvio meu olhar para o chão. Não consigo acreditar no que acabei de dizer.

***

- E então – o que vai fazer agora? – pergunta ele.
Não diga “nada”. Nunca diga “nada”.
- Bem, tenho umas coisinhas para fazer – digo. – Telefonemas para dar, pessoas para ver. Esse tipo de coisa.
(...)
Chego numa esquina e estou só esperando os carros pararem para atravessar, quando um táxi pára ao meu lado.
- Sei que é uma mulher muito ocupada, com muitas coisas para fazer – vem a voz de Luke Brandon e minha cabeça levanta de repente de susto. Lá está ele, com a cabeça inclinada pela janela do táxi, seus olhos escuros franzidos num pequeno sorriso. – Mas se você tivesse uma meia hora de folga, não estaria interessada em fazer compras, estaria?
(...) Paramos do lado de fora de uma agência do Lloyds Bank. Olho inocente pela janela, para a fila de pessoas lá dentro e me ouço dizer “Sabe o quê? Os bancos deveriam ter liquidações em janeiro. Todos têm.”
Há um silêncio e quando olho vejo uma expressão de diversão no rosto de Luke.
- Os bancos? – diz ele.
- Por que não? – digo defensivamente. – Eles poderiam reduzir suas tarifas por um mês ou coisa parecida. E o mesmo poderiam fazer as empresas construtoras. Grandes cartazes nas janelas, “Preços reduzidos”...
(...)
Quando volto minha atenção para dentro do carro novamente, Luke está escrevendo algo num caderninho. Seu olhar encontra o meu por um momento, depois diz:
- Rebecca, você está falando sério em largar o jornalismo?
- Ah – digo vagamente. – Para ser sincera, tinha esquecido tudo sobre largar o jornalismo. – Eu não sei. Talvez.
- E você realmente acha que trabalhar em banco poderia ser mais adequado a você?
- Quem sabe? – digo, me sentindo um pouco atordoada com seu tom de voz. Está bom para ele. Não tem se preocupar com sua carreira pois tem sua própria empresa multimilionária. – Elly Granger está deixando o Investor’s Weekly News – acrescento. – Ela está indo trabalhar na Whetherby’s como gerente de fundos.
- Ouvi falar – diz ele. – Mas você não é nada parecida com Elly Granger.
Verdade? Este comentário me intriga. Se não sou como Elly, com quem pareço afinal? Alguém realmente legal como Kristin Scott Thomas, talvez.
- Você tem imaginação – acrescenta Luke. – Ela não.


Deus, estamos nos divertindo. Nós alinhamos oito malas numa fila e demos a elas pontos pela aparência, peso qualidade do tecido, número de bolsos no interior e eficiência das rodinhas. (Eu testo isto desfilando pela seção, puxando a mala atrás de mim. A esta altura, o vendedor já desistiu e nos deixou fazendo isso.) Depois olhamos para ver se elas têm uma mala de mão combinando e damos pontos também.
(...)
Mas então, não sou eu quem vai decidir, certo? É Luke quem estão comprando a mala. Ele é quem tem que escolher. Sentamos no chão, um do lado do outro e olhamos para elas.
- A verde seria mais prática – diz Luke finalmente.
- Mmm – eu digo sem compromisso. – Suponho que sim.
- É mais leve, e as rodinhas são melhores.
- Mmm.
- E a pele provavelmente iria arranhar numa questão de minutos. O verde é uma cor mais adequada.
- Mmm – digo, procurando parecer que concordo com ele.
Ele me dirige um olhar inquisitivo e diz:
- Certo. Bem, acho que fizemos nossa escolha, você não acha? – E, ainda sentado no chão, chama o vendedor.
- Sim senhor? – diz o vendedor, e Luke acena para ele.
- Gostaria de comprar uma dessas malas bege-claras, por favor.
- Oba! – digo eu, e não consigo parar um sorriso de alegria que inunda meu rosto. – Você está comprando a que eu mais gostei!
- Regra da vida – diz Luke, levantando-se e limpando as calças com as mãos. – Se eu me dei ao trabalho de pedir a sugestão de alguém, então devia ouvi-la.
- Mas eu não disse qual...
- Não precisou – diz Luke, estendendo a mão para me levantar do chão. – Os seus “Mmms” entregaram tudo.
Sua mão é surpreendentemente forte em torno da minha e quando ele me levanta, sinto um friozinho no estômago. Ele tem cheiro gostoso, também. Alguma loção pós-barba que não reconheço. Por um momento, nenhum de nós dois diz nada.
(...)
Luke deve precisar voltar para o escritório. Ele não pode ficar por aí fazendo compras o dia todo. E se me perguntar o que eu vou fazer depois, falo para mim mesma, realmente direi que estou ocupada. Vou fingir que tenho alguma reunião importante marcada ou algo assim.
- Tudo resolvido – diz ele voltando. – Rebecca, estou incrivelmente grato por você ter me ajudado.
- Ótimo! – digo feliz. – Bem, preciso ir...
- Por isso eu estava pensando – diz Luke, antes que eu continue. – Você quer almoçar?


- Boa escolha – diz Luke, sorrindo para mim. – E mais uma vez obrigado por me acompanhar hoje. É sempre bom ter uma segunda opinião.
- Nenhum problema – digo suavemente e tomo um gole de vinho. – Espero que aproveite bem a mala.
- Ah, não é para mim – diz ele após uma pausa. – É para Sacha.
- Ah, certo – digo amável. – Quem é Sacha? Sua irmã?
- Minha namorada – diz Luke, e vira-se para chamar um garçom.
E eu olho para ele sem conseguir me mover.
(...)
- Tudo bem? – diz Luke olhando de volta para mim.
- Não – ouço-me dizer. – Não, não está. Você não me disse que a mala era para sua namorada. Nem me disse que tinha uma namorada.
(...)
- Sinto muito – digo numa voz trêmula e me levanto. – Não tenho tempo para almoçar afinal.
- Rebecca, não seja boba! – diz Luke. – Olha, sinto muito se você não sabia sobre a minha namorada. – Ele levanta as sobrancelhas num ar questionador e eu quero bater nele. – Mas ainda podemos ser amigos, não podemos?
- Não – respondo com dificuldade, ciente de que minha voz está grossa e meus olhos estão ardendo. – Não, não podemos. Amigos se tratam com respeito. Mas você não me respeita, não é, Luke? Você só me vê como uma piada. Uma ninguém. Bem... – Engulo em seco. – Bem, eu não sou.
E, antes que ele consiga dizer alguma coisa mais, eu me viro e, rapidamente, saio do restaurante, um pouco cega de lágrimas de decepção.

***

Eles não ousarão me mandar embora, sou IMPRENSA. Na verdade, talvez eu...
- Rebecca. Que bom que você pôde vir.
Olho e sinto-me gelar. O homem vestindo o terno é Luke Brandon. Luke Brandon está de pé na minha frente, olhando direto para mim, com uma expressão que não consigo decifrar muito bem. E de repente me sinto mal. Tudo o que planejei sobre fingir ser fria e distante não vai funcionar porque só de ver seu rosto fico quente de humilhação, tudo de novo.
- Oi – murmuro olhando para baixo. Por que estou até dizendo Oi para ele?
- Eu esperava que você viesse – diz ele numa voz baixa e séria. – Eu queria muito...
- Sim – interrompo. – Bem, eu... não posso conversar, preciso circular. Estou aqui para trabalhar, você sabe.
Estou procurando parecer digna, mas há uma hesitação em minha voz, e posso sentir meu rosto ir enrubescendo enquanto ele me olha. Por isso viro antes que ele possa dizer qualquer outra coisa e me afasto na direção do outro lado da tenda.

***

- Alô, Rebecca Bloom – digo numa voz profissional.
- Rebecca – diz a voz rude de Luke Brandon, e meu coração gela. Você poderia por favor me dizer que diabos está acontecendo?
Merda.
Merda, ele parece realmente zangado. Por um momento estou paralisada. Minha garganta está seca, minha mão está suando em volta do fone. Ah, Deus. O que eu vou dizer? O que eu vou dizer a ele?
Mas espera aí. Eu não fiz nada de errado.
- Não sei do que você está falando – digo, ganhando tempo. Fique calma, digo a mim mesma. Calma e fria.
- Sua tentativa espalhafatosa no Daily World – diz ele sarcástico. – Sua historinha tendenciosa, desequilibrada, provavelmente difamatória.
Por um segundo fico tão chocada que não consigo falar. Tendenciosa? Difamatória?
- Não é tendenciosa! – digo finalmente. – É um bom artigo. E certamente não é difamatório. Posso provar tudo o que disse.
- E suponho que ouvir o outro lado da história tenha sido inconveniente – ele vocifera. – Imagino que você estava ocupada demais escrevendo sua prosa brilhante para procurar a Flagstaff Life e pedir sua versão dos fatos. Preferiu ter uma boa história do que estragá-la com uma visão equilibrada.
- Eu tentei ouvir o outro lado da história! – exclamo furiosa. – Telefonei para sua estúpida empresa de RP ontem e disse a eles que estava escrevendo o artigo!
(...)
- Rebecca – diz Luke finalmente – se isto tudo tem a ver com o que aconteceu entre nós naquele dia, se isto é alguma espécie de vingança mesquinha...
- Não se atreva a me insultar! – grito. – Não tente inventar que isto é alguma espécie de coisa pessoal, droga! Não tem nada a ver com aquilo! A incompetência da sua empresa é que deve ser responsabilizada.

***

- Em vez de uma entrevista simples, pensamos em um debate acalorada.
- Um debate acalorado? – repito, procurando não parecer tão alarmada como estou me sentindo.
- Claro! – diz Zelda. – O que queremos é realmente uma discussão apaixonada! Opiniões sendo emitidas, vozes se elevando. Esse tipo de coisa.


Não. Ah, não. De repente me sinto com frio.
- Luke! – vem a voz de Zelda do corredor, e meu estômago começa a se agitar. – Estou muito feliz por você ter podido vir. Sempre adoramos ter você no programa. Sabe, não tinha a menor idéia de que você representava a Flagstaff Life, até Sandy dizer...
No espelho, posso ver meu rosto perdendo a cor.
Isto não está acontecendo. Por favor diga-me que isto não está acontecendo.
- A jornalista que escreveu o artigo já está aqui – Zelda está dizendo – e já a informei do que está acontecendo. Acho que vai ser um excelente programa o debate entre os dois!
(...)
Lentamente giro minha cabeça quando ela passa pela porta.
Encontro os olhos graves e escuros de Luke Brandon e ele encontra os meus e, por alguns segundos mais, nós nos olhamos. Depois, repentinamente ele desvia o olhar e se distancia descendo o corredor.


Só consigo pensar no fato de que, dentro de quinze minutos, precisarei sentar num sofá e discutir altas finanças com Luke Brandon, ao vivo na televisão.
Só de pensar nisso sinto vontade de chorar. Ou de rir. Quero dizer, é como alguma espécie de brincadeira de mau gosto. Luke Brandon contra mim. Luke Brandon, com seu QI de gênio e sua maldita memória fotográfica, contra mim. Ele vai me derrotar facilmente. Vai me massacrar.


- Então, vocês dois já se conhecem? – pergunta Zelda, que vai andando entre nós.
- Sim, já nos conhecemos – diz Luke breve.
- Num contexto profissional – digo, igualmente breve. – Luke está sempre procurando promover algum produto financeiro patético. E eu estou sempre evitando seus telefonemas.
Zelda dá uma risada apreciando e vejo os olhos de Luke brilharem de raiva. Mas realmente não ligo. Não me importa o quanto ele se irrita. De fato, quanto mais irritando ele fica, melhor me sinto.
- Então, Luke, você deve ter se aborrecido bastante com o artigo de Rebecca no Daily World – diz Zelda.
- Não fiquei satisfeito – diz Luke.
- Ele me telefonou para reclamar, você acredita? – digo alegremente. – Não consegue aceitar a verdade, hein, Luke? Não quer enxergar o que há sob o brilho de RP? Sabe, talvez você devesse mudar de emprego.
Há um silêncio e me viro para ver Luke. Ele parece tão furioso que, por um terrível instante, chego a pensar que vai me bater. Depois seu rosto muda e, numa voz calma e gelada, ele diz:
- Vamos entrar logo no maldito cenário e acabar com essa farsa, está bem?
Zelda levanta as sobrancelhas para mim e eu sorrio de volta. Nunca vi Luke tão perturbado como agora.


- Talvez a Flagstaff Life não tenha desobedecido a lei. Talvez eles não tenham quebrado nenhuma regra. Mas há uma justiça natural neste mundo, e eles não só a quebraram, eles a estilhaçaram. Esses clientes mereciam aquela bonificação. Eles eram clientes leais, antigos, mereciam. E se você é honesto, Luke Brandon, sabe que eles mereciam.
Termino minha fala sem ar e olho para Luke. Ele está me fitando com uma expressão indecifrável no rosto e, sem querer, sinto meu estômago dar um nó de nervoso. Engulo, procuro afastar meu olhar do dele, mas de algum modo não consigo mexer minha cabeça. É como se nossos olhos estivessem colados um no outro.
- Luke? – diz Emma. – Você tem uma resposta para o argumento de Rebecca?
Luke não responde. Está olhando para mim, e eu para ele, sentindo meu coração pular como um coelho.
- Luke? – repete Emma levemente impaciente. – Você tem...
- Sim – diz Luke. – Sim, eu tenho. Rebecca... – Ele balança a cabeça, quase sorrindo para si mesmo, depois olha novamente para mim. – Rebecca, você está certa.
De repente faz-se um silêncio total no estúdio.
Abro minha boca, mas não consigo emitir um som sequer.
Do canto do meu olho, vejo Rory e Emma se olhando perplexos.
- Desculpe, Luke – diz Emma. – Você quer dizer...
- Ela está certa – diz Luke, e encolhe os ombros. – Rebecca está absolutamente certa. – Ele pega seu copo d’água, inclina-se no sofá e toma um gole. – Se você quer minha opinião sincera, esses clientes mereciam aquela bonificação. Eu gostaria muito que eles a tivessem recebido.
(...)
– Para dizer a verdade, eu não tinha a menor idéia de que isto estava acontecendo até ler o artigo de Rebecca no Daily World. Que, por falar nisso, foi um excelente artigo de jornalismo investigativo – ele acrescenta, acenando para mim. – Parabéns.


E de repente tudo acabou. Tudo terminado. Restamos só eu e Luke, sentados um na frente do outro, nos sofás, com as luzes ainda brilhando sobre nós e os microfones ainda presos em nossas lapelas. Estou um pouco traumatizada. Um pouco tonta.
Aquilo tudo realmente acabou de acontecer?
- Então – digo finalmente e limpo a garganta.
- Então – repete Luke, com um pequeno sorriso. – Muito bem.
- Obrigada – digo e mordo meu lábio estranhamente no silêncio.
(...)
- Você...
- Eu estava...
Nós dois falamos ao mesmo tempo.
- Não – digo, ficando vermelha. – Você fala. O meu não era... Fala você.
- Está bem – diz Luke, e encolhe o ombro. – Eu ia exatamente perguntar se você gostaria de jantar comigo esta noite.
Olho para ele surpresa.
O que ele quer dizer jantar? Ele quer dizer...
- Para discutir assuntos de trabalho – continua ele. – Gostei muito da sua idéia de fazer uma promoção de cotas de fundo fiduciário no estilo das liquidações de janeiro.
(...)
- Ah – digo, e engulo em seco, inexplicavelmente desapontada. – Ah, entendo. Bem, eu... eu acho que eu estaria livre esta noite.
- Bom – diz Luke. – Pode ser o Ritz?
- Se você gosta – digo indiferente, como seu eu fosse lá todo dia.
- Bom – diz Luke outra vez, e seus olhos apertam-se num sorriso. – Vou esperar ansioso por isto.
E depois – Ah, Deus. Para meu total horror, antes que eu possa me conter, ouço minha voz dizendo com ar sacana:
- E Sacha? Ela não tem planos para você esta noite?
Já enquanto as palavras saem, sinto-me enrubescer. Ah, merda. Para que disse isso?
Faz-se um longo silêncio durante o qual quero me esconder em algum lugar e morrer.
- Sacha se foi, uma semana atrás – diz Luke finalmente, e minha cabeça levanta.
- Ah – digo delicadamente. – Ah, meu Deus.
- Sem aviso, fez a mala e se foi. – Luke olha para mim. – Ainda assim, poderia ser pior. – Faz um gesto sem expressão. – Pelo menos eu não comprei a frasqueira também.
Ah, Deus, agora vou rir. Preciso rir. Não devo.
- Sinto muito – consigo dizer afinal.
- Eu não – diz Luke olhando para mim sério, e a risada dentro de mim morre. Olho de volta para ele nervosa e sinto meu coração começar a bater acelerado.

***

- Então – digo fitando-o, e levanto os óculos. – Ao trabalho.
- Ao trabalho – repete Luke e dá um sorriso irônico. – O pouco que ainda me resta.
- Verdade? – Olho para ele confusa e aí eu percebo. – Quero dizer, depois do que você disse no Morning Coffee? Aquilo o deixou em apuros?
Ele acena que sim e sinto uma pontada de aflição por ele.
Quero dizer, Suze está certa – Luke é bastante arrogante. Mas devo dizer que achei muito bom da parte dele levantar a cabeça daquele jeito e dizer publicamente o que realmente pensava da Flagstaff Life. E, agora, se ele vai ficar arruinado em decorrência disso, bem, parece muito injusto.
- Você perdeu tudo? – pergunto calma e Luke ri.
- Eu não iria tão longe. Mas, esta tarde, tivemos que dar muitas explicações para nossos outros clientes. – Ele fez uma careta. – Devo dizer que insultar um de seus maiores clientes ao vivo na televisão não é exatamente uma prática normal de RP.
- Bem, acho que eles deveriam respeitar você! – retruco. – Por ter dito realmente o que pensa! Quero dizer, tão poucas pessoas fazem isso hoje em dia. Podia ser como... o slogan da sua empresa: “Nós dizemos a verdade.”
Tomo um gole grande de champanhe e olho para ele em silêncio. Luke está me fitando com uma expressão estranha no rosto.
- Rebecca, você tem uma habilidade fantástica para acertar em cheio – diz ele finalmente. – Foi exatamente o que alguns de nossos clientes disseram. É como se tivéssemos nos dado um selo de integridade.
- Oh – digo satisfeita. – Então não está arruinado.
- Não estou arruinado – concorda Luke e abre um pequeno sorriso. – Apenas levemente enfraquecido.
Um garçom aparece do nada, enche minha taça e eu tomo um gole. Quando olho para Luke ele está me fitando novamente.
- Sabe, Rebecca, você é uma pessoa extremamente perspicaz – diz ele. – Enxerga o que os outros não vêem.
- Ah, bem. – Balanço minha taça de champanhe no ar. – Não ouviu Zelda? Sou a guru de finanças que encontra a vizinha. – Nossos olhos se encontram e os dois começam a rir.
- Você é instrutiva e acessível.
- Informada com os pés no chão.
- Você é inteligente, charmosa, viva... – Luke murcha, olhando para sua bebida, depois me encara.
- Rebecca, quero me desculpar – diz ele. – Estou querendo fazer isto há algum tempo. Aquele almoço no Harvey Nichols... você estava certa. Não a tratei com o respeito que merecia. O respeito que merece.
Termina a frase, faz-se um silêncio e eu abaixo o olhar para a toalha de mesa sentindo meu rosto em chamas. Está tudo muito bem para ele, dizer isto agora, penso furiosa. Está tudo muito bem para ele reservar uma mesa no Ritz e pedir champanhe e esperar que eu sorria e diga “Ah, está bem”. Mas por trás de toda brincadeira ainda me sinto ferida com aquele episódio. E, depois de meu sucesso esta manhã, estou num humor belicoso.
- Meu artigo no Daily World não teve nada a ver com aquele almoço – digo sem encará-lo. – Nada. E você ter insinuado que tinha...
- Eu sei – diz Luke e suspira. – Nunca deveria ter dito aquilo. Foi um comentário... defensivo e irritado num dia em que, francamente, você tinha nos deixado a todos em maus lençóis.
- Verdade? – Não consigo evitar um sorriso de prazer nos lábios. – Eu deixei todos em apuros?
- Está brincando? – diz Luke. – Uma página inteira no Daily World sobre um de nossos clientes, completamente sem mais nem menos?
Ah. Até que eu gosto desta idéia. A Brandon C. inteira em polvorosa por causa de Janice e Martin Webster.
- Alicia também ficou baratinada? – Não consigo resistir à pergunta.
- Claro – diz Luke secamente. – Mais ainda quando eu descobri que ela havia realmente falado com você no dia anterior.
Ah!
- Bom – ouço-me dizer infantilmente, e depois me arrepender. As grandes mulheres de negócios não exultam de satisfação maligna quando seus inimigos são repreendidos. Eu devia ter apenas feito um gesto significativo com a cabeça ou ter exclamado “Ah”.
- Então, eu deixei você baratinado também? – pergunto, fazendo um ar de indiferença.
O silêncio toma conta do ambiente e, depois de algum tempo, olho para ele. Luke está com os olhos em mim, com uma expressão séria que faz meu coração começar a bater forte.
- Você tem me deixado assim já há algum tempo, Rebecca – diz ele calmo. Mantém o olhar por uns segundos enquanto eu também estou olhando fixo para ele, incapaz de respirar – depois desvia para o menu.
- Vamos pedir?


- Certo – diz ele, como que fechando o assunto. – Bem. Talvez devêssemos chamar um táxi para você. – Sinto um baque de decepção e procuro não demonstrar. – Ou talvez... – Ele pára.
Há uma pausa interminável. Quase não consigo respirar. Talvez o quê? O quê?
- Conheço bem o pessoal aqui – diz Luke finamente. – Se quiséssemos... – Ele encontra meu olhar. – Acho que poderíamos ficar.
Sinto um choque elétrico passar pelo meu corpo.
- Você gostaria?
Incapaz de falar, aceno afirmativamente. Ah, Deus. Ah, Deus, é a coisa mais excitante que já fiz.
- Está bem, espere aqui – diz Luke. – Vou ver se consigo quartos. – Ele se levanta e eu olho para ele abismada, minha mão fria e abandonada.
Quartos. Quartos no plural. Então ele não quis dizer...
Ele não quer...
Ah, Deus. O que há de errado comigo?


- Bem – diz Luke. – É isso.
- Sim – digo numa voz que não parece minha. – Obrigada... obrigada. E pelo jantar. – Limpo minha garganta. Estava delicioso.
Parece que nos transformamos em completos estranhos.
- Bem – diz Luke novamente e olha para seu relógio. – É tarde. Você provavelmente vai querer... – Pára e faz-se um silêncio de expectativa.
Meu coração está batendo forte no meu peito, minhas mãos estão torcidas num nó nervoso. Não ouso olhar para ele.
- Já vou então – diz Luke finalmente. – Espero que você tenha uma...
- Não vá – ouço-me dizer e fico queimando de vermelha. Não vá ainda. Nós podíamos só... – Engulo. – Conversar, ou alguma coisa.
Olho para ele, encontro seu olhar e algo amedrontador começa a bater dentro de mim. Lentamente ele anda na minha direção, até ficar bem na minha frente. Consigo sentir o cheiro do perfume de sua loção pós-barba e ouvir o ruído de sua camisa de algodão quando ele se movimenta. Meu corpo inteiro está pinicando de ansiedade. Ah, Deus, quero tocá-lo. Mas não ouso. Não ouso mexer nada.
- Nós podíamos só conversar, ou alguma coisa – ele repete e lentamente levanta as mãos até envolverem meu rosto. – Nós podíamos só conversar. Ou alguma coisa.
E depois ele me beija.
Sua boca está na minha, gentilmente separando meus lábios, e sinto uma flechada incandescente de excitação. Suas mãos estão descendo pelas minhas costas e envolvendo minhas nádegas, passando os dedos sob a bainha da minha saia. Depois ele me puxa apertado para ele e, de repente, acho difícil respirar.
E está bem óbvio que não vamos conversar muito coisa nenhuma.

**********
- Sinto muitíssimo – sigo. – Eu só estava...
- Eu sei – diz Luke, fechando o jornal e se levantando. – Você estava falando com Enid. – Ele me dá um beijo e aperta meu braço. – Eu vi os últimos dois telefonemas. Foi um bom trabalho.
- E você não acreditaria em como é o marido dela – digo, enquanto passamos pela porta de vaivém saindo no estacionamento. – Não é de admirar que ela queira continuar trabalhando!
- Eu posso imaginar.
- Ele só acha que ela está lá para lhe dar uma vida fácil. – Sacudo a cabeça ferozmente. – Meu Deus, você sabe, eu nunca vou simplesmente ficar em casa preparando seu jantar. Nem daqui a um milhão de anos.
Há um silêncio curto, e eu levanto os olhos e vejo um sorriso minúsculo nos lábios de Luke.
- Ah... você sabe – acrescento rapidamente. – O jantar de ninguém.
- Fico feliz em ouvir isso – diz Luke afavelmente.

***

- Então. Como foram as reuniões em Zurique? Como está indo o... novo negócio?
Estou tentando ficar calma e controlada, mas posso sentir os lábios começando a tremer, e minhas mãos estão se retorcendo a ponto de dar nós.
- Becky – diz Luke. Ele olha sua taça por um momento, depois pousa no chão e me olha. – Há uma coisa que eu preciso dizer. Vou me mudar para Nova York.
Sinto-me fria e pesada. Então este é o fim de um dia completamente desastroso. Luke está me deixando. É o fim. Tudo acabou.
- Certo – consigo dizer, e dou de ombros, descuidadamente. – Sei. Tá. Tudo bem.
- E eu espero, espero de verdade... – Luke segura minhas duas mãos e aperta com força - ... que você venha comigo.

***

- Certo, então eu fui ingênua! Mas não cometi nenhum crime...
- Você não acha que jogar uma oportunidade fora é crime? – diz Luke furiosamente. – Porque da minha parte... – Ele balança a cabeça. – Meu Deus, Becky! Nós dois estávamos com tudo. Nós tínhamos Nova York. – Suas mão se fecham. – E agora, olhe para nós dois. Tudo porque você é tão obcecada por compras.
- Obcecada? – grito. Não suporto mais seu olhar acusador. – Eu sou obcecada? E você?
- O que você quer dizer? – pergunta ele, sem dar importância.
- Você é obcecado por trabalho! Como vencer em Nova York! A primeira coisa que você pensou quando viu aquela matéria não foi em mim ou... ou em como eu estava me sentindo, foi? Foi em como isso afetava o seu negócio. – Minha voz se eleva trêmula. – Você só se importa com o seu sucesso, e eu sempre venho em segundo lugar.

***

- Então, Becky. – Michael me dá um olhar gentil. – O que você vai fazer? Tentar marcar mais algumas reuniões?
- Não – digo depois de uma pausa. – Para ser franca, acho que não tem sentido.
- Então vai ficar aqui com Luke?
Uma imagem do rosto congelado de Luke atravessa minha mente, e eu sinto uma pontada de dor.
- Acho que também não tem sentido fazer isso. – Tomo um gole comprido de conhaque e tento sorrir. – Sabe de uma coisa. Acho que estou indo para casa.

***

- Eu estou indo para o estúdio – digo, cruzando os dedos. – Mas queria trocar uma palavrinha. Acho que sei por que corre o boato de que Luke vai perder o Bank of London.
Digo exatamente o que eu entreouvi no escritório, como fui à King Street e o que descobri.


- Então o que aconteceu?
- Luke veio de repente, pegou todos de surpresa, levou-os até uma sala de reuniões e revistou as mesas deles. E achou um monte de coisas.
- Luke fez isso? – Sinto uma pancada forte no estômago. – Quer dizer... Luke está em Londres?
- Está.
- Há quanto tempo ele voltou?
- Há três dias. – Michael me dá uma olhada rápido. – Então eu acho que ele não telefonou para você.
- Não – digo, tentando esconder o desapontamento. – Não telefonou.
(...)
- Becky, eu não disse a Luke que foi você quem me deu a dica. A história que contei foi que recebi um bilhete anônimo e decidi olhar.
- Parece bastante justo – digo, olhando para a toalha de mesa.
- Você é basicamente responsável por ter salvado a empresa dele – diz Michael com gentileza. – Ele deveria ser muito grato a você. Acha que ele deveria saber?
- Não. – Encolho os ombros. – Ele só pensaria... pensaria que eu estava...
Não posso acreditar que Luke voltou há três dias e não telefonou. Quero dizer, eu sabia que estava tudo acabado. Claro que sabia. Mas, secretamente, uma parte minúscula de mim achava...
De qualquer modo. Obviamente, não.
- O que ele pensaria? – pergunta Michael.
- Não sei – murmuro mal-humorada. – O fato é que tudo acabou entre nós. De modo que é melhor eu... não me envolver.
(...)
- Se surgisse uma oportunidade na América, você aceitaria?
- Eu aceitaria qualquer coisa – digo francamente. – Mas o que vai haver para mim na América agora?
Há um silêncio. Muito lentamente Michael pega um bombom de chocolate, desembrulha e põe na beira de seu prato.
- Becky, eu tenho uma proposta para você – diz ele, erguendo os olhos. – Nós temos uma vaga na agência de publicidade, de chefe de comunicações corporativas.
Encaro-o, com a xícara de café a caminho dos lábios. Não ousando imaginar que ele está dizendo o que acho que ele está.
- Nós queremos alguém com conhecimentos editoriais, que possa coordenar um boletim mensal. Você seria ideal nesses dois sentidos. Mas também queremos alguém que seja bom com as pessoas. Alguém que possa captar os rumores, certificar-se de que as pessoas estejam satisfeitas, informar qualquer problema à diretoria... – Ele dá de ombros. – Francamente, não posso pensar em ninguém melhor.

***

- Ei! – grita Tarquin. – É o último lote. Quer ver?
- Anda – diz Suze, apagando seu cigarro. – Você precisa ver a última coisa ir embora. O que é?
- Não sei – digo, enquanto subimos. – A máscara de esgrima, talvez?
Mas quando voltamos ao salão, sinto um choque. Caspar está segurando minha echarpe Denny and George. Minha preciosa echarpe Denny and George. Luminosa, azul, de veludo e seda, impressa num azul mais claro e com contas iridescentes.
Fico olhando-a, com um aperto crescendo na garganta, lembrando com uma nitidez dolorosa o dia em que a comprei. Com que desespero eu a queria. Como Luke me emprestou as vinte libras de que eu precisava. O modo como contei a ele que estava comprando para minha tia.
O modo como ele me olhava sempre que eu a usava.
Meus olhos estão ficando turvos, e eu pisco com força, tentando manter o controle.
- Bex, não venda sua echarpe – diz Suze, olhando para ela, perturbada. – Fique com uma coisa pelo menos.
- Lote 126 – diz Caspar. – Uma echarpe muito bonita, de seda e veludo.
- Bex, diga que você mudou de idéia!
- Eu não mudei de idéia – digo, olhando fixamente adiante. – Não há sentido em me agarrar a isso agora.
(...)
- Mais algum lance para esta echarpe Denny and George?
- Sim! – diz uma voz às minhas costas, e eu vejo uma garota de preto levantando a mão. – Tenho um lance de trinta e cinco libras, pelo telefone.
- Quarenta libras – diz prontamente a garota de rosa.
- Cinqüenta – diz a garota de preto.
- Cinqüenta? – diz a garota de rosa, girando na cadeira. – Quem está fazendo o lance? É Miggy Eloane?
- A pessoa quer permanecer anônima – diz a garota de preto depois de uma pausa. Ela capta meu olhar e por um instante meu coração se imobiliza.
(...)
- O lance está com o comprador pelo telefone. Cento e cinqüenta libras, senhores e senhoras.
Há um silêncio tenso – e de repente percebo que estou cravando as unhas na carne das mãos.
- Duzentas – diz a garota de rosa desafiadoramente, e há um som ofegante no salão. – E diga à sua compradora anônima, a Srta. Miggy Sloane, que o que ela oferecer eu posso oferecer.
Todo mundo se vira para olhar a garota de preto, que murmura alguma coisa no fone, depois assente.
- Meu comprador desiste – diz ela, erguendo os olhos. Sinto uma inexplicável pontada de desapontamento e rapidamente sorrio para escondê-la.
(...)
- Espere – digo. – Eu gostaria de entregar a ela. Se não tiver problema.
Pego a echarpe com Caspar e seguro-a, imóvel, alguns instantes, sentindo a familiar textura diáfana. Ainda posso sentir meu perfume nela. Posso sentir Luke colocando-a no meu pescoço.
A Garota da Echarpe Denny and George.
Então respiro fundo e desço da plataforma, em direção à garota de rosa. Sorrio para ela e entrego.
- Aproveite – digo. – Ela é muito especial.
- Ah, eu sei – diz ela em voz baixa. – Eu sei que é. – E só por um momento, enquanto nos entreolhamos, acho que ela entende completamente.

***

Estou dobrando-o para colocar debaixo do braço quando percebo um nome que me faz parar.
Brandon tenta salvar empresa. Página 27.
Com dedos ligeiramente trêmulos, desdobro o papel, acho a página e leio a matéria.
(...)
Em reuniões a serem realizadas hoje para enfrentar a crise, Brandon procurará persuadir os investidores e aprovar seus planos de reestruturação radical, que supostamente envolvem...


E quando estou me curvando para pôr a bolsa na esteira, uma voz familiar exclama atrás de mim.
- Espere!
Sinto uma pontada por dentro, como se tivesse caído três metros. Viro-me incrédula – e é ele.
É Luke, vindo pelo saguão na direção do balcão de check-in. Está vestido com a elegância de sempre, mas seu rosto parece pálido e abatido. Pelas sombras debaixo dos olhos é como se ele estivesse numa dieta de noites acordadas e café.
- Aonde você vai, porra? – pergunta quando chega mais perto. – Vai se mudar para Washington?
- O que você está fazendo aqui? – respondo trêmula. – Não está numa reunião para resolver a crise com seus investidores?
- Estava. Até que Mel entrou para servir chá e disse que tinha visto você na televisão hoje cedo.
- Você largou sua reunião? – Encaro-o. – O quê? Bem no meio?
- Ela disse que você ia deixar o país. – Seus olhos escuros me examinam. – É verdade?
- É – digo, e aperto a minha bolsa pequena com mais força. – Vou.
- Assim, de uma hora para outra? Sem nem me dizer?
- É, assim – digo, colocando a bolsa na esteira. – Do mesmo modo como você voltou para a Inglaterra sem nem me dizer. – Há uma irritação na minha voz, e Luke se encolhe.
- Becky...
- Prefere janela ou corredor? – interrompe a garota do check-in.
- Janela, por favor.
- Becky...
Seu celular toca agudo, e ele o desliga irritado.
- Becky... eu quero falar.
- Agora você quer falar? – digo incrédula. – Fantástico. Senso de oportunidade perfeito. No momento em que eu estou embarcando. – Bato no FT com as costas da mão. – E a tal reunião para resolver a crise?
- Ela pode esperar.
- O futuro da sua empresa pode esperar? – ergo as sobrancelhas. – Isso não é meio... irresponsável, Luke?
- Minha empresa não teria nenhuma porra de futuro se não fosse você – exclama ele, quase com raiva, e mesmo contra a vontade sinto um arrepio por todo o corpo. – Michael me contou o que você fez. Como desconfiava de Alicia. Como você avisou a ele, como descobriu tudo. – Ele balança a cabeça. – Eu não fazia idéia. Meu Deus, se não fosse você, Becky...
- Ele não deveria ter contado – murmuro furiosa. – Eu disse para não contar. Ele prometeu.
- Bom, ele contou! E agora... – Luke pára. – E agora eu não sei o que dizer – fala em voz mais baixa. – “Obrigado” nem chega perto.



- Ei! Você é do Morning Coffee. Não é?
- Era – digo com um sorriso educado.
- Ah, certo – diz ela, parecendo confusa. Enquanto entrega meu passaporte e um cartão de embarque, seu olhar passa em meu FT e pára na foto de Luke. Olha para Luke. E para a foto de novo. – Espera aí. Você é ele? – diz ela, apontando para a foto.
- Era – diz Luke depois de uma pausa. – Anda, Becky. Deixe eu lhe pagar uma bebida, pelo menos.

Sentamo-nos a uma mesinha com copos de Pernod. Posso ver a luz do celular de Luke piscando a cada cinco segundos, indicando que alguém tenta ligar para ele. Mas ele nem parece notar.
- Eu queria ligar para você – diz ele, olhando para a bebida. – Todos os dias eu quis ligar. Mas sabia o que você ia dizer se eu ligasse e dissesse que só tinha dez minutos para falar. O que você disse sobre eu não ter tempo para um relacionamento, aquilo ficou na minha cabeça. – Ele toma um gole comprido. – Acredite, eu não tive muito mais de dez minutos recentemente. Você não sabe como tem sido.
- Michael me deu uma idéia. – admito.
- Eu estava esperando até as coisas diminuírem o ritmo.
- Então escolheu o dia de hoje. – Não consigo evitar um sorriso desanimado. – O dia em que todos os seus investidores vieram de avião falar com você.
- Não foi ideal. Isso tenho de admitir. – Um clarão de divertimento passa brevemente em seu rosto. – Mas como ia saber que você estava planejando se mandar do país? Michael é um sacana que guarda segredo. – Ele franze a testa. – E eu não podia ficar lá sentado e deixar você ir.
(...)
- Eu sei que Michael ofereceu um trabalho a você – diz Luke, e faz um gesto para minha mala. – Presumo que isto significa que você aceitou. – Ele faz uma pausa, e eu o encaro, tremendo ligeiramente, sem dizer nada. – Becky, não vá para Washington. Venha trabalhar para mim.
- Trabalhar para você? – digo, pasma.
- Venha trabalhar na Brandon Communications.
- Você está louco?
Ele afasta o cabelo do rosto e de repente parece jovem e vulnerável. Como alguém que precisa dar uma parada.
- Não estou louco. Meu pessoal foi dizimado. Preciso de alguém como você num nível de comando. E você conhece finanças. Você já foi jornalista. Você é boa com as pessoas, já conhece a empresa...
- Luke, você vai achar facilmente alguém como eu. Vai achar alguém melhor! Alguém com experiência em RP, alguém que tenha trabalhado em...
- Tudo bem, eu estou mentindo – interrompe Luke. – Eu estou mentindo. Eu não preciso simplesmente de alguém como você. Preciso de você.
Ele me encara honestamente, e com uma pontada percebo que não está falando da Brandon Communications.
- Eu preciso de você, Becky. Eu dependo de você. Não sabia disso até você não estar mais lá. Desde que você foi embora suas palavras ficaram girando e girando na minha cabeça. Sobre minhas ambições. Sobre nosso relacionamento.
(...)
- É isso que eu quero dizer. Você é a única pessoa que me diz as coisas que eu preciso ouvir, mesmo quando não quero. Eu deveria ter confiado em você desde o início. Eu fui... não sei. Arrogante. Estúpido.
Ele parece tão implacável e duro consigo mesmo que eu sinto uma pontada de consternação.
- Luke...
- Becky, eu sei que você tem sua carreira, e respeito isso completamente. Eu nem pediria se não achasse que poderia ser um bom passo para você também. Mas... por favor. – Ele estende a mão sobre a mesa e põe sobre a minha. Sinto o calor dela. – Volte. Vamos recomeçar.
Encaro-o desamparada, com a emoção crescendo dentro de mim como um balão.
- Luke, eu não posso trabalhar para você – engulo em seco, tentando manter o controle de voz. – Eu tenho de ir para os Estados Unidos. Tenho de aproveitar esta chance.
- Eu sei que parece uma grande oportunidade. Mas o que eu estou oferecendo também poderia ser uma grande oportunidade.
- Não é a mesma coisa – digo, apertando o copo com força.
- Pode ser a mesma coisa. O que quer que Michael tenha oferecido, eu ofereço uma coisa igual. – Ele se inclina para a frente. – Eu ofereço mais. Eu...
- Luke – interrompo – Luke, eu não aceitei o trabalho de Michael.
O rosto de Luke se levanta bruscamente, num choque.
- Não? Então...
Ele olha para minha mala, e depois de novo para meu rosto – e eu o encaro num silêncio resoluto.
- Entendo – diz ele por fim. – Não é da minha conta.
Ele parece tão derrotado que eu sinto uma pontada de culpa no peito. Quero contar a ele – mas não posso. Não posso me arriscar a falar sobre isso, ouvindo minhas argumentações vacilarem; imaginando se fiz a escolha certa. Não posso me arriscar a mudar de idéia.
- Luke, eu tenho de ir – digo, com a garganta apertada. – E... você tem de voltar à sua reunião.
- É – diz Luke depois de uma longa pausa. – É. Você está certa. Eu vou. Vou agora. – Ele se levanta e enfia a mão no bolso. – Só... mais uma coisa. Você não vai querer esquecer isso.
Muito lentamente ele puxa uma echarpe comprida, azul-clara, de seda e veludo, com contas iridescentes espalhadas.
Minha echarpe. Minha echarpe Denny and George.
Sinto o sangue fugir do rosto.
- Como foi que você... – engulo em seco. – A pessoa que estava comprando pelo telefone era você? Mas... você recuou. A outra pessoa comprou a... – paro e encaro-o, confusa.
- As duas pessoas disputando a compra eram eu.
Ele amarra a echarpe suavemente no meu pescoço, me olha durante alguns segundos e depois me beija na testa. Depois se vira e vai embora, misturando-se à multidão do aeroporto.

***

Então. – Christina me dá um olhar longo e avaliador. – Você está pronta para a pessoa das dez horas?
- Sim. – Ruborizo ligeiramente sob seu olhar. – É, acho que sim.
- Quer escovar o cabelo?
- Ah. – Minha mão vai até o pescoço. – Está desarrumado?
- Na verdade, não. – Há uma ligeira fagulha em seu olhar, que eu não entendo. – Mas você quer ficar com a melhor aparência possível para nossa cliente, não é?
Ela sai da sala, e eu pego um pente depressa. Meu Deus, vivo esquecendo como a gente tem de ser arrumada em Manhattan.
(...)
- A pessoa das dez horas está aqui.
- Quem é a pessoa das dez horas? – pergunto enquanto pego um vestido Richard Tyler. – Eu não vi nada na agenda.
- Bem... é... – Seu rosto está todo brilhante e empolgado, por algum motivo. – Ah... aqui está ele.
- Muito obrigado – vem uma profunda voz masculina.
Uma voz profunda e inglesa.
Ah, meu Deus.
Congelo como um coelho, ainda segurando o vestido Richard Tyler enquanto Luke entra na sala.
- Olá – diz ele com um pequeno sorriso. – Srta. Bloom. Ouvi dizer que é a melhor especialista em compras da cidade.
Abro a boca e fecho de novo. Pensamentos giram na minha mente como fogos de artifício. Estou tentando me sentir surpresa, tentando me sentir tão chocada quanto sei que deveria estar. Dois meses de absolutamente nada – e agora aqui está ele. Eu deveria estar completamente abalada.
Mas, de algum modo – não me sinto abalada. No subconsciente eu sempre soube que ele viria.
No subconsciente, percebo, estive esperando por ele.
- O que está fazendo aqui? – digo tentando parecer o mais composta possível.
- Como eu disse, ouvi falar que você é a melhor especialista em compras da cidade. – Ele me lança um olhar interrogativo. – Achei que talvez pudesse me ajudar a comprar um terno. Este aqui está parecendo gasto.
Ele faz um gesto para seu imaculado terno Jermyn Street que, por acaso, sei que ele tem há apenas três meses, e escondo um sorriso.
- Você quer um terno.
- Quero um terno.
- Certo.
Jogando para ganhar tempo, ponho o vestido de volta num cabide, viro-me e coloco o cabide cuidadosamente na arara. Luke está aqui.
Ele está aqui. Quero rir, ou dançar, ou chorar, ou alguma coisa. Mas, em vez disso, pego meu bloco de anotações e, sem me apressar, viro-me.
- O que normalmente faço antes de qualquer coisa é pedir que meus clientes falem um pouco sobre si mesmos. – Minha voz está meio alterada e eu faço uma pausa. – Talvez o senhor pudesse... fazer o mesmo?
- Certo. Parece boa idéia. – Luke pensa um momento. – Eu sou um empresário inglês. Moro em Londres. – Ele encara meus olhos. – Mas recentemente abri um escritório em Nova York. De modo que vou passar um bocado de tempo aqui.
- Verdade? – Sinto uma onda de surpresa que tento esconder. – Abriu um escritório em Nova York? Isso... isso é muito interessante.
(...)
- Então... quanto tempo, exatamente, o senhor vai passar em Nova York? – acrescento em tom formal. – Para minhas anotações, o senhor entende.
- Sem dúvida – diz Luke, imitando meu tom de voz. – Bem, eu quero manter uma presença significativa na Inglaterra. De modo que vou passar duas semanas por mês aqui. Pelo menos, esta é a idéia no momento. Pode ser mais, talvez menos. – Há uma longa pausa e seus olhos escuros encontram os meus. – Tudo depende.
- De quê? – pergunto, mal conseguindo respirar.
- De... várias coisas.
Há um silêncio imóvel entre nós.
(...)
- Espero que Erin saia, mas ela está olhando para Luke com franca curiosidade.
- Então, como está indo? – pergunta para ele toda animada. – Já teve a chance de dar uma olhada na loja?
- Eu não preciso olhar – diz Luke com uma voz confiante. – Eu sei o que eu quero.
Meu estômago dá um pequeno salto mortal, e eu olho direto para o caderno, fingindo tomar algumas notas. Rabiscando qualquer bobagem.
- Ah, certo! – diz Erin. – E o que é?
Há um longo silêncio, e eu não suporto mais, tenho de olhar. Quando vejo a expressão de Luke, meu coração começa a bater com força.
- Eu estive lendo o que escreveu – diz ele, enfiando a mão no bolso e pegando um folheto intitulado “O Serviço de Compras Pessoais. Para gente ocupada que precisa de alguma ajuda e não pode se dar ao luxo de cometer erros.”
Ele faz uma pausa, e minha mão aperta a caneta com força.
- Eu cometi erros – diz ele, franzindo a testa ligeiramente. – Queria corrigir esses erros e não cometê-los de novo. Queria ouvir alguém que me conheça.
- Por que veio à Barney's? - pergunto em voz trêmula.
- Só há uma pessoa em cujo conselho eu confio. - Seu olhar encontra o meu e eu sinto um ligeiro tremor. - Se ela não quiser dar, não sei o que vou fazer.
- Nós temos o Frank Walsh no departamento de roupas masculinas - diz Erin, solícita. - Tenho certeza de que ele...
- Cale a boca, Erin - digo sem mexer a cabeça.
- O que acha, Becky?- pergunta ele, virando-se para mim. - Você estaria interessada?
Durante alguns instantes não respondo. Estou tentando juntar todos os pensamentos que tive nos últimos dois meses. Organizar minhas palavras exatamente no que tenho de dizer.
- Eu acho... - digo finalmente. - Eu acho que o relacionamento entre uma compradora pessoal e um cliente é bastante íntimo.
- Era isso que eu estava esperando - responde Luke.
- Precisa haver respeito. - Engulo em seco. - Não pode haver reuniões súbitas que tenham prioridade.
- Entendo. Se você me aceitar, posso garantir que você sempre vai estar em primeiro lugar.
- O cliente tem de saber que algumas vezes a compradora pessoal sabe mais. E nunca simplesmente descartar a opinião dela. Mesmo quando ele achar que é só fofoca ou... papo furado.
Capto um vislumbre do rosto confuso de Erin, e de repente sinto vontade de rir.
- O cliente já percebeu isso - diz Luke. - O cliente está humildemente preparado para ouvir e ser colocado na linha. Na maioria das questões.
- Em todas as questões - retruco imediatamente.
- Não force a sua sorte - diz Luke, com os olhos brilhando de diversão, e eu sinto um riso involuntário se espalhar no meu rosto.
- Bom... - rabisco pensativa no meu bloco durante um momento. - Acho que na maioria seria aceitável. Dada as circunstâncias.
- Então. - Seu olhar caloroso encontra o meu. - Isso é um sim, Becky? Você vai ser minha... compradora pessoal?
Ele dá um passo adiante, e eu estou quase tocando-o. Posso sentir seu perfume familiar. Ah, meu Deus, como senti saudade!
- Sim - digo toda feliz. - Sim, eu serei.

**********
- Vocês deveriam mesmo se casar – continua Danny, ignorando meus olhares furiosos. Ele pega a coqueteleira e começa a jogá-la de uma mão para a outra. – É perfeito. Olhem para vocês. Vocês moram juntos, não querem matar um ao outro, não são parentes... Eu poderia fazer um vestido fabuloso... – Ele pousa a coqueteleira com uma expressão subitamente concentrada. – Ei, escute, Becky. Prometa, se você se casar, eu posso fazer o seu vestido.
Isso é assustador. Se ele continuar assim, Luke vai achar que estou tentando pressioná-lo. Pode até achar que eu pedi a Danny para puxar o assunto deliberadamente.
Tenho de restabelecer o equilíbrio de algum modo. Rapidamente.
- Na verdade, não quero me casar – ouço-me falando. – Pelo menos nos próximos dez anos.
- Verdade? – Danny parece frustrado. – Não mesmo?
- É? – Luke ergue os olhos com uma expressão inescrutável. – Eu não sabia.

***

- Bex, escute – diz uma voz em meu ouvido. Olho, e Suze está me olhando sério. Está tão perto que posso ver cada grão de purpurina em sua sombra dos olhos. – Preciso te perguntar uma coisa. Você não quer mesmo esperar dez anos para se casar, quer?
- Bem... não – admito. – De verdade, não.
- E você acha que Luke é o homem certo? Só... honestamente. Cá entre nós.
Há uma longa pausa. Atrás de mim posso ouvir alguém dizendo:
- Claro, nossa casa é bastante moderna. Mil oitocentos e cinqüenta e três. Acho que foi construída...
- É – digo por fim, sentindo um rosa profundo surgir nas bochechas. – É, acho que é mesmo.
Suze me olha interrogativamente por uns instantes mais – e abruptamente parece chegar a uma decisão.
- Certo! – diz ela, pousando o uísque. – Vou jogar o buquê.
(...)
- Quero uma foto disso – diz Suze para o fotógrafo. – E onde está Luke?
O negócio ligeiramente estranho é que ninguém está vindo comigo. Todo mundo se afastou. De repente noto que Tarquin e seu padrinho estão andando e murmurando no ouvido das pessoas, e gradualmente todos os convidados se viram com rostos luminosos e cheios de expectativa.
- Pronta, Bex? – grita Suze.
- Espere! – grito. – Não há gente suficiente! Deveria haver um monte, todas juntas...
Sinto-me tremendamente estúpida ali sozinha. No duro, Suze está fazendo isso totalmente errado. Será que ela nunca foi a um casamento?
- Espera, Suze – grito, mas é tarde demais.
- Pega, Bex! – grita ela. – Peega!
O buquê vem girando pelo ar, e eu tenho de dar um ligeiro pulo para pegá-lo. É maior e mais pesado do que eu esperava, e por um momento só fico olhando-o atordoada, meio deliciada em segredo, e meio totalmente furiosa com Suze.
E então meu olhar focaliza. E eu vejo o envelopezinho. Para Becky.
Um envelope endereçado a mim no buquê de Suze?
Olho perplexa para Suze, e com o rosto brilhando ela assente para o envelope.
Com os dedos trêmulos eu abro o cartão. Há uma coisa dentro. É...
É um anel, todo enrolado em algodão. Há uma mensagem na letra de Luke. E ela diz...
Ela diz Você Quer...
Olho, incrédula, tentando manter o controle, mas o mundo está turvo, e o sangue martela na minha cabeça.
Levanto os olhos, atordoada, e ali está Luke, adiantando-se em meio às pessoas, o rosto sério mas os olhos quentes.
- Becky... – começa ele, e há um minúsculo ofegar por todo o adro. – Você quer...
- Sim! Siii-immmm! – Ouço o som jubiloso rasgando o ar antes mesmo de perceber que eu abri a boca. Meu Deus, estou tão cheia de emoção que minha voz nem parece a minha. De fato, parece mais...
Mamãe.
Não acredito.
Enquanto giro, ela aperta a boca com a mão, horrorizada.
- Desculpe! – sussurra, e uma onda de risos perpassa a multidão.
- Sra. Bloom, eu me sentiria honrado – diz Luke, com os olhos brilhando num sorriso. – Mas acho que a senhora já está comprometida.
Depois me olha de novo.
- Becky, se eu tivesse de esperar cinco anos, esperaria. Ou oito, ou mesmo dez. – Ele pára e há um silêncio completo, a não ser por um minúsculo sopro de vento, espalhando confete no ar. – Mas espero que um dia, preferivelmente antes disso, você me dê a honra de se casar comigo, certo?
Minha garganta está tão apertada que não consigo falar. Faço um movimento minúsculo com a cabeça e Luke segura minha mão. Desdobra meus dedos e pega o anel. Meu coração está martelando. Luke quer casar comigo. Devia estar planejando isso o tempo todo. Sem dizer nada.
Olho o anel, e sinto os olhos começando a ficar turvos. É um antigo anel de diamante, engastado em ouro, com minúsculas garras curvas. Nunca vi outro igual. É perfeito.
- Posso?
- Pode – sussurro, e olho enquanto ele o coloca no meu dedo. Luke me olha de novo e me beija, e os aplausos começam.
Não acredito. Estou noiva.

***

- Becky – diz Luke, na bucha. – Se me ligar de novo para falar sobre o casamento na hora do meu trabalho, é totalmente possível que a gente não tenha um casamento.
- Ótimo! – digo. – Ótimo! Se não está interessado, eu organizo tudo e vejo você no altar, certo? Está bom para você?
Há uma pausa, e dá pra ver que Luke está rindo.
- Quer uma resposta honesta ou a resposta com nota máxima no questionário “Seu homem realmente a ama?” da Cosmopolitan?
- Dê a resposta com nota máxima – digo depois de pensar um momento.
- Quero me envolver em cada detalhe minúsculo do nosso casamento – diz Luke, sério. – Sei que mostrar falta de interesse em cada estágio é sinal de que não estou comprometido com você como mulher e pessoa linda, atenciosa, e totalmente especial, e francamente, não mereço você.
- Foi bastante bom, acho – digo, meio de má vontade. – Agora dê a resposta honesta.
- Vejo você no altar.

***

O órgão pára de tocar e eu sinto uma pontada de nervosismo.
Finalmente está acontecendo. Estou finalmente me casando. De verdade.
Então começa a Marcha Nupcial e papai aperta meu braço, e começamos a ir para o altar.


Então Luke fez um discurso sobre como nós nos conhecemos em Londres quando eu era jornalista de economia, e como ele me notou na minha primeira entrevista coletiva, quando eu perguntei ao diretor de RP do banco Barclays por que eles não faziam capas chiques para os talões de cheques, como as dos celulares? E então ele confessou que começou a me mandar convites para eventos de RP mesmo quando não eram importantes para a minha revista, só porque eu sempre animava as ocasiões.
(Ele nunca me contou isso. Mas agora tudo faz sentido! Por isso eu vivia sendo convidada para aquelas coletivas estranhas sobre corretagem de commodities e sobre o estado da indústria do aço.)


- Eu sei. – Luke enxuga os olhos. – Eu sei que é. Becky Bloom, eu amo você.
- Agora eu sou Becky Brandon, lembre-se! – respondo, olhando para minha linda aliança nova. – Sra. Rebecca Brandon. – Mas Luke balança a cabeça.
- Só há uma Becky Bloom. Nunca deixe de ser ela. – Ele pega minhas mãos e me olha com uma estranha intensidade. – Independentemente do que você faça, nunca deixe de ser Becky Bloom.

********

- Esse homem é um mercador. Perguntou se alguém está interessado em pedras. Colares, pulseiras baratas. Falei que a mente de vocês está voltada para coisas mais elevadas.

Algumas pessoas perto de mim balançam a cabeça, incrédulos. Uma mulher de cabelos ruivos compridos parece afrontada.

- Ele não viu que a gente estava no meio de uma meditação? – pergunta.

- Ele não entende a dedicação espiritual de vocês. – Chandra olha sério o grupo ao redor. – Acontecerá o mesmo com muitos outros, mundo afora. Não entenderão que meditação é o alimento da alma. Vocês não têm necessidade de... pulseiras de safira!

Algumas pessoas confirma com a cabeça.

- Um pendente de água-marinha com corrente de platina – continua Chandra, não dando importância. – Como isso se compara à radiância da iluminação interior?

Água-marinha?

Uau. Quanto será que...

Quer dizer, não que eu esteja interessada. Obviamente não. Só que, por acaso, estive olhando águas-marinhas numa vitrine um dia desses. Só por interesse acadêmico.

Meus olhos vão até a figura do velho que se afasta.

- Três quilates, cinco quilates, ele ficava dizendo. Tudo pela metade do preço. – Chandra balança a cabeça – Eu disse: essas pessoas não estão interessadas.

Metade do preço? Águas-marinhas de cinco quilates pela metade do preço?

(...)

E de repente não consigo me conter. Antes de saber o que está acontecendo, corro descalça o mais rápido que posso, morro acima, em direção à figura minúscula. Meus pulmões queimam, os pés estão ardendo e o Sol bate na cabeça descoberta, mas só paro quando chego à crista do morro. Paro e olho em volta, ofegando.

Não acredito. Ele sumiu. Para onde foi?

Fico parada alguns instantes, recuperando o fôlego, espiando em todas as direções. Mas não o vejo em lugar nenhum.

Por fim, sentindo-me um tanto frustrada, viro-me e volto até o grupo, lá embaixo. Quando chego perto percebo que todos estão gritando e acenando para mim. Meu Deus, será que estou numa encrenca?

- Você conseguiu! – está gritando a ruiva. – Você conseguiu!

- O quê?

- Você correu por cima dos carvões! Você conseguiu, Becky.

O quê?

Olho para os meus pés... e não acredito. Estão cobertos de cinza! Atordoada, olho o poço de carvões – e ali está, uma tira de pegadas atravessando-o.

Ah, meu Deus. Ah, meu Deus! Eu passei correndo sobre os carvões! Passei sobre os carvões pegando foto, em brasa! Consegui!

(...)

- Na verdade não foi nada – digo com um sorriso modesto. – Só... vocês sabem. Iluminação espiritual.

- Pode descrever a imagem? – pergunta empolgada a ruiva.

- Era branca? – pergunta outra pessoa.

- Não era realmente branca... – digo.

- Era uma espécie de azul-esverdeado brilhante? – É a voz de Luke, vinda de trás. Levanto a cabeça rapidamente. Ele está me olhando de volta, na maior cara-de-pau.

- Não lembro – respondo num tom digno. – A cor não era importante.

- A sensação era... – Luke parece pensar com intensidade. – Como se os elos de uma corrente estivessem puxando você?

- É uma imagem muito boa, Luke – entoa Chandra, satisfeito.

- Não – digo rapidamente. – Não era. Na verdade acho que talvez você precise ter uma apreciação mais elevada das questões espirituais para entender.

- Sei – Luke assente com seriedade.

- Luke, você deve ter muito orgulho. – Chandra sorri para Luke. – Não é a coisa mais extraordinária que já viu sua esposa fazer?

Há um instante de silêncio. Luke olha de mim para os carvões em brasa, depois para o grupo silencioso e em seguida de novo para o rosto luminoso de Chandra.

- Chandra – diz ele. – Pode acreditar em mim. Isso aí não é nada.


***


- Não sei como você consegue viver com ela – está dizendo Jess, e sinto um choque de indignação. Depois me enrijeço, esperando a resposta de Luke.

Há um silêncio no cômodo. Não consigo respirar. Não consigo me mexer. Percebo meu ouvido encostado na madeira da porta.

- É difícil – diz a voz de Luke por fim.

Algo frio mergulha no meu coração.

Luke acha difícil viver comigo.


***


- Então me deixe ajudar! – respondo ansiosa. Acompanho-o até a cozinha onde ele está colocando água num copo. – Deve haver algo que eu possa fazer. Eu poderia ser sua secretária... ou fazer pesquisa...

- Por favor! – interrompe Luke, e engole o Ibuprofen. – Chega de ajuda. Tudo o que a sua “ajuda” faz é desperdiçar a porra do meu tempo. Certo?

(...)

- Você recebeu um pacote – digo.

Luke sai do escritório segurando uma pilha de pastas de papel e as joga na pasta executiva. Em seguida pega o pacote comigo, abre e tira um disco de computador, junto com uma carta.

- Ah! – exclama ele, parecendo mais satisfeito do que durante toda a semana. – Excelente.

- De quem é?

- Da sua irmã – diz Luke.

Sinto como se ele tivesse me dado um soco no peito.

Minha irmã? Jess? Meu olhar vai até o pacote, incrédulo. Aquela é a letra de Jess?

- Por que... – Estou tentando manter a voz calma. – Por que Jess está escrevendo para você?

- Ela mexeu naquele CD-ROM para nós. – Luke examina a página até o final. – Ela é realmente demais. Melhor do que os nossos caras da informática. Preciso mandar umas flores.

Sua voz está toda calorosa e agradecida, e seus olhos brilham. Enquanto olho, de repente sinto um enorme nó na minha garganta.

Ele acha a Jess fabulosa, não é? Jess é fabulosa... e eu sou uma merda.

- Então Jess foi de grande ajuda para você, não é? – pergunto com a voz trêmula.

- É. Para ser honesto, foi.

- Acho que você preferiria que ela estivesse aqui, e não eu. Acho que você preferiria que a gente trocasse de lugar.

- Não seja ridícula. – Luke dobra a carta e coloca de volta no envelope.

- Se acha Jess tão fantástica, por que não vai morar com ela? – ouço minha voz saindo num jorro de angústia. – Por que vocês não vão... conversar sobre computador?

- Becky, acalme-se – diz Luke, espantado.

Mas não consigo me acalmar. Não consigo parar.

- Tudo bem! Pode ser honesto comigo, Luke! Se prefere uma unha de fome miserável, com gosto zero para se vestir e senso de humor zero... é só dizer! Talvez você devesse se casar com ela, se ela é tão fantástica! Ela é tão divertida! Tenho certeza de que iria ficar numa ótima com ela...

- Becky! – Luke me interrompe com um olhar que me enregela até a medula. – Pare agora mesmo.

Ele fica quieto alguns instantes, dobrando o envelope. Não ouso mover um músculo.

- Sei que você não se deu bem com Jess – diz finalmente, levantando os olhos. – Mas saiba o seguinte: Sua irmã é uma boa pessoa. É honesta, confiável e trabalhadora. Gastou horas nisso para nós. – Ele bate no disco. – E se ofereceu para fazer, não pediu pagamento nem agradecimento. Eu diria que ela é uma pessoa realmente altruísta. – Ele dá alguns passos para mim, com o rosto implacável. – Você poderia aprender muito com a sua irmã.

(...)

- Estou indo. – Luke reaparece à porta da cozinha segurando sua mala. – Não sei quando volto.

- Luke... desculpe. – Finalmente encontrei a voz, mesmo que esteja toda trêmula. – Desculpe se fui um desapontamento tão grande para você. – Levanto a cabeça tentando manter o controle. – Mas se realmente quer saber... você também foi um desapontamento para mim. Você mudou. Você era divertido na lua-de-mel. Era divertido, tranqüilo e relaxado...

(...)

- Você está diferente. – As palavras saem num soluço e eu sinto uma lágrima escorrendo pelo rosto. – Voltou a ser como era. Como prometeu que nunca mais seria. – Enxugo a lágrima com força. – Não era assim que eu imaginava a vida de casada, Luke.

Há silêncio na cozinha.

- Nem eu. – Há algo maroto e familiar em sua voz, mas ele não está sorrindo. – Tenho de ir. Tchau, Becky.

Ele se vira, e alguns instantes depois ouço a porta da frente batendo.


***


- Você não entende – digo rapidamente, antes que ela possa bater a porta de novo. – Tudo deu errado. Luke e eu brigamos. Eu... eu fiz uma coisa estúpida.

- Ora, que surpresa! – Jess cruza os braços.

- Sei que fui eu mesma que provoquei. – Minha voz começa a tremer. – Sei que a culpa é minha. Mas acho que nosso casamento está com problemas de verdade. Acho mesmo.

Enquanto digo as palavras, posso sentir as lágrimas ameaçando de novo. Pisco com força, tentando contê-las.

- Jess... por favor, me ajude. Você é a única pessoa em quem posso pensar. Se eu pudesse aprender com você, talvez Luke voltasse atrás. Ele gosta de você. – Sinto um aperto na garganta, mas me obrigo a encará-la. – Ele gosta mais de você do que de mim.


***


URGENTE-EMERGÊNCIA


Luke,


Becky não está no apartamento. Ninguém a viu em lugar nenhum. Ainda não consegui fazer contato com ela pelo telefone.


Estou ficando realmente preocupada.


Suze


***


- Você pregou um susto enorme na gente, Becky. Luke? – diz ele ao celular. – Nós a encontramos.

Meu coração pára.

Luke?

- Como foi... – De repente meus lábios estão tremendo tanto que mal consigo formar palavras. – Como é que Luke...

- Ele ficou preso em Chipre por causa do mau tempo – diz Suze. – Mas está do outro lado da linha o tempo todo. Meu Deus, ele está fora de si.

- Aí, Becky – diz Tarquin estendendo o telefone.

Quase não consigo segurá-lo. Estou latejando inteira, de nervosismo.

Suze me olha em silêncio por um momento, com a chuva batendo no cabelo e escorrendo pelo rosto.

- Bex, acreditem em mim. Ele não está com raiva de você.

Levo o telefone ao ouvido, encolhendo-me ligeiramente quando ele encosta no rosto machucado.

- Luke?

- Ah, meu Deus! Becky! Graças a Deus!

Ele está todo distante, com a voz estalando, e mal consigo entender. Mas assim que ouço sua voz familiar é como se tudo que aconteceu nos últimos dias tivesse chegado ao fim. Algo está crescendo por dentro. Meus olhos estão quentes e a respiração ficou engasgada.

Eu o quero. Quero-o e quero ir para casa.

- Graças a Deus você está salva. – Luke parece mais abalado do que jamais vi. – Fiquei fora de mim...

- Eu sei – engulo em seco. – Desculpe. – Lágrimas escorrem pelas minhas bochechas. Mal consigo falar. – Luke, realmente, desculpe por tudo...

- Não peça desculpas. Eu peço desculpas. Meu Deus. Eu pensei... – Ele pára e posso ouvi-lo respirando com força. – Nunca mais desapareça de novo, certo?

- Não vou. – Enxugo os olhos furiosamente com a mão.




- Luke? – digo ao aparelho. – Oi! Adivinha só. Quebrei a perna! – Olho cheia de admiração para o gesso, que está preso num suporte. Sempre quis botar gesso.

- Ouvi dizer. Minha querida coitadinha. Estão cuidando bem de você? Tem tudo que precisa?

- É... acho que sim. Sabe... – Sem aviso dou um bocejo enorme. – Na verdade estou bem cansada. Acho que vou dormir.

- Queria estar aí. – A voz de Luke está baixa e gentil. – Becky, só diga uma coisa. Por que você foi correndo para o norte sem contar a ninguém?

O quê? Ele não percebe?

- Porque eu precisava de ajuda, claro – digo com um jorro familiar de dor. – Nosso casamento estava em frangalhos. Jess era a única pessoa que eu poderia procurar.

Há silêncio no telefone.

- Nosso casamento estava o quê? – pergunta Luke finalmente.

- Em frangalhos! – Minha voz fica bamba. – Você sabe que estava! Foi medonho! Você nem me deu um beijo de despedida!

- Querida, eu estava furioso. Nós tivemos uma briga! Isso não significa que nosso casamento esteja em frangalhos.

- Ah. – Engulo em seco. – Bem, eu achei que estivesse. Achei que tudo havia acabado. Achei que você nem ia se importar em saber onde eu estava.

- Ah, Becky. – A voz de Luke ficou toda estranha, como se ele estivesse tentando não rir. Ou talvez não chorar. – Tem alguma idéia de tudo que eu passei?

- Não. – Mordo o lábio, quente de vergonha. – Luke, desculpe. Eu... não achei... não percebi...

- Tudo bem. – Ele me interrompe. – Você está em segurança. É só isso que importa agora. Você está em segurança.


***


- Sei disso. Acho. Mas... eu pensei que estava fazendo diferença. Realmente pensei que tinha realizado alguma coisa. – Dou um suspiro frustrado. – E tudo por nada!

- Por nada? – pergunta Luke, incrédulo. – Becky, dê só uma olhada no que você fez. – Ele sinaliza para a multidão. – Olha todo esse pessoal. Ouvi dizer como você transformou a campanha. Para não mencionar o povoado... e essa festa que você está dando... Você deveria ter orgulho! Furacão Becky, é como está sendo chamada.

- Imagina. Eu deixo uma trilha de devastação em toda parte.

Luke me olha, subitamente sério, com os olhos calorosos e escuros.

- Você explode as pessoas. Todo mundo que você conhece. – Ele segura minha mão e a olha por um momento. – Não seja como Jess. Seja como você.

- Mas você disse... – começo. E paro.

- O quê?

Ah, meu Deus. Eu ia ser toda adulta e digna e não mencionar isso. Mas eu não consigo evitar.

- Escutei você conversando com Jess – murmuro. – Quando ela se hospedou com a gente. Escutei você dizer... que era difícil viver comigo.

- E é difícil viver com você – responde Luke em tom casual.

Encaro-o com a garganta meio apertada.

- E também é enriquecedor. Empolgante. Divertido. É a única coisa que eu quero. Se fosse fácil seria chato. – Ele toca meu rosto. – A vida com você é uma aventura, Becky.


***


- Danny ligou? – pergunto num espanto jubiloso, e erro o último degrau da escada. Quando pouso no capim, tudo fica meio rodando.

- Aaah! – Agarro-me a Luke. – Fiquei tonta.

- Você está bem? – pergunta Luke, alarmado. – É a concussão? Você não devia estar subindo escadas.

- Está tudo bem – digo meio sem fôlego. – Vou me sentar.

- Meu Deus, eu sempre ficava assim! – diz Suze, passando. – Quando estava grávida.

Tudo parece se esvaziar da minha mente.

Lanço um olhar para Luke. Ele parece igualmente abalado.

Não. Quero dizer... eu não poderia...

Não pode ser...

E de repente meu cérebro está fazendo somas frenéticas. Nem pensei em... Mas a última vez que... deve ter sido... faz pelo menos...

Ah, meu Deus.

Ah... meu Deus.

- Becky? – pergunta Luke em voz estranha.

- Ah... Luke...

Engulo em seco, tentando ficar fria.

Certo. Não entre em pânico. Não entre em pânico...


************

- A técnica ergue uma sobrancelha e espreme um pouco de gosma transparente na minha barriga. Franzindo a testa um pouco, ela pressiona o negócio do ultra-som na minha pele, e instantaneamente uma imagem turva, em preto-e-branco, aparece na tela.

Não consigo respirar.

É nosso neném. Dentro de mim. Lanço um olhar para Luke, e ele está grudado na tela, hipnotizado.


***


- Por que você acharia que há alguma coisa acontecendo?

- Por quê? – Encaro-o. – Luke, você está falando sério? Por onde vou começar? Todas as vezes que você saiu com ela, só os dois. Todos aqueles recados em latim, dos quais você não queria falar comigo. E todo mundo ficou muito esquisito comigo no escritório... e eu vi vocês sentados juntos na mesa dela... e você mentiu na noite do Finance Awards... – Minha voz está começando a falhar. – Eu sabia que você não estava lá...

- Menti porque não queria preocupar você! – Luke parece mais abalado e com raiva do que jamais vi. – Meus funcionários estavam esquisitos com você porque eu mandei um e-mail para todos dizendo que ninguém, absolutamente ninguém, deveria falar de problemas da empresa com você. Sob pena de se demitido. Becky... eu estava tentando proteger você.


***


- Sabe de uma coisa, Becky Bloom? Você vai ser uma tremenda mãe.

- Ah! – Fico vermelha, tomada totalmente de surpresa. – Verdade? No bom sentido?

Luke atravessa a cozinha e pousa as mãos gentilmente na minha barriga.

- Esta pessoazinha tem muita sorte – murmura ele.

- Só que não sei nenhuma cantiga de ninar – digo meio triste. – Não poderei fazer o neném dormir.

- As cantigas de ninar são superestimadas demais – reage Luke, cheio de confiança. – Eu lerei para ele matérias do Financial Times. Isso vai fazer com que ele apague.


***


- Não fiquei apavorado! – grita Luke, exasperado. – Eu percebi que você não era a pessoa com quem eu queria ter filhos. Nem com quem passar o resto da vida. E foi por isso que terminei!

Venetia parece ter levado um soco. Por alguns segundos, fica sem fala – então seus olhos se concentram em mim com tamanha agressividade que eu me encolho.

- E ela é? – pergunta, com um gesto selvagem. – Essa coisinha desmiolada, consumista... é com ela que você vai passar o resto dos dias? Luke, ela não tem profundidade! Não tem cérebro! Só se importa com as compras, as roupas... e as amigas...

O sangue sumiu do meu rosto, e fico meio trêmula. Nunca ouvi tanto veneno.

Olho para Luke. Suas narinas estão abertas, e uma veia lateja na cabeça.

- Não ouse falar assim de Becky. – A voz é tão metálica que até eu fico meio apavorada. – Não ouse.

- Qual é, Luke! – Venetia dá um risinho de zombaria. – Admito que ela é bonita...

- Venetia, você não sabe do que está falando – diz Luke, cortando-a.

- Ela é mais do que frívola! – grita Venetia. – Ela não é nada! Por que, diabos, você se casou com ela?

Há um ofegar generalizado no quarto. Ninguém se move durante uns trinta segundos. Luke parece meio atordoado por lhe fazerem uma pergunta tão explícita.

Meu Deus, o que será que ele vai dizer? Talvez diga que foi por causa da minha maravilhosa capacidade culinária e das minhas respostas espirituosas.

Não. É improvável.

Talvez diga...

Para ser honesta, estou meio travada. E se eu estou travada, Luke também deve estar.

- Por que eu me casei com Becky? – ecoa ele finalmente, numa voz tão estranha que subitamente acho que ele também deve estar se perguntando, e percebendo que cometeu um erro terrível.

De repente, me sinto meio fria e meio apavorada.

E Luke ainda não falou.

Ele vai até a pia e se serve de um copo d’água, enquanto todo mundo olha, nervoso. Por fim se vira.

- Você já passou algum tempo com Becky?

- Eu já! – diz Suze, como se fosse ganhar um prêmio. Todo mundo se vira para ela, que fica vermelha. – Desculpe – murmura.

- Na primeira vez que vi Becky Bloom... – Ele pára, com um sorriso minúsculo nos lábios. – Ela estava perguntando ao responsável pelo marketing de um banco por que eles não produziam talões de cheques com capas de cores diferentes.

- Está vendo? – Venetia balança a mão, impaciente, mas Luke nem se abala.

- No ano seguinte, eles produziram talões de cheque com capas de diferentes cores. Os instintos de Becky não se comparam aos de ninguém. Becky tem idéias que ninguém tem. Sua mente vai a lugares onde a de ninguém vai. E algumas vezes tenho sorte de acompanhá-la. – Os olhos de Luke encontram os meus, suaves e calorosos. – É, ela faz compras. É, ela faz coisas malucas. Mas me faz rir. Faz com que eu desfrute a vida. E eu a amo mais do que qualquer coisa no mundo.

- Eu te amo também – murmuro, com um nó na garganta.

- Ótimo – diz Venetia, com o rosto pálido. – Ótimo, Luke! Se você quer uma desmiolada, superficial...

- Você não faz idéia, porra, estão cala a porra dessa boca! – Subitamente, a voz de Luke é como uma metralhadora. Mamãe abre a boca para protestar contra aquela linguagem, mas ele está tão lívido que ela fecha de novo, nervosa. – Becky tem muito mais princípios do que você jamais teve. – Ele está olhando para Venetia com desprezo. – Ela é corajosa. Ela coloca as outras pessoas à frente de si própria. Eu não poderia ter passado por estes últimos dias sem ela.

(...)

- Ah! – berro. – Ah! Estou vazando!

Meu Deus, é a sensação mais esquisita. Alguma coisa, em algum lugar, simplesmente arrebentou – e uma poça d’água está se formando aos meus pés. Não consigo parar.


***


- Oi. Você está acordada. – Luke levanta a cabeça na poltrona em que esteve cochilando e coça os olhos. Está barbado, o cabeço desgrenhado e a camisa toda amarrotada.

- Ahã.

- Como ela está?

- Bem. – Não consigo evitar um sorriso lambendo meu rosto quando a olho de novo. – Perfeita.

- Ela é mesmo perfeita. Você é perfeita. – O rosto dele tem uma espécie de euforia distante enquanto me olha, e sei que Luke está revivendo a noite passada.




- Aqui estão algumas roupas para você, Becky querida. – Mamãe levanta uma enorme bolsa de viagem, cheia de roupas, e põe numa cadeira. – Eu não sabia o que você ia querer, de modo que saí catando...

- Obrigada, mamãe. – Abro o zíper e tiro um grosso cardigã que não uso há uns cinco anos. Depois vejo outra coisa. Um brilho familiar, azul-claro, com contas, uma maciez de veludo.

Minha echarpe. Minha preciosa echarpe Denny and George. Ainda me lembro do instante em que pus os olhos nela.

- Ei, olha! – Tiro-a, tendo cuidado para não arrancar nenhuma conta. Não uso há anos, também. – Lembra disso, Luke?

- Claro que lembro! – O rosto de Luke se suaviza ao ver. Depois acrescenta, totalmente cara-de-pau: - Você comprou para sua tia Ermintrude, pelo que me lembro.

- Isso mesmo – assinto.

- Uma tragédia ela ter morrido antes de poder usar. O braço dela caiu, não foi?

- A perna – corrijo.

Mamãe esteve ouvindo essa conversa, perplexa.

- Tia o quê? – pergunta ela, e não consigo evitar um risinho.

- Uma velha amiga – responde Luke, enrolando a echarpe no meu pescoço. Ele a olha por um momento , numa espécie de espanto, depois olha o neném . – Quem imaginaria...

- Eu sei. – Manuseio a ponta da echarpe. – Quem imaginaria?